quinta-feira, 23 de junho de 2011

O outro nome do Chopinho

O outro nome do Chopinho Feminino é Lilith. Lilith, a primeira mulher de Adão. Aquela que foi expulsa do paraíso por não aceitar deitar-se por baixo de Adão. E que foi "enquadrada" como bruxa, foi execrada, foi relegada. 
Ela e tudo o que esse feminino aí representa. Como tá em "Mulheres que Correm com Lobos", de Clarissa Pinkola Estés. Feminino livre, feminino que assusta por ser livre. Que não compete, não quer ser igual: ao contrário, afirma-se na sua diferença e na sua originalidade. Lilith, ao contrário de Eva, não foi criada a partir da costela de Adão. 
A pobre Eva era um mero arremedo: um estepe. Já que a verdadeira, a igual, criada junto com Adão, tinha ido embora. Fala sério. Da costela? "Eva coava / o café que Adão tomava..." . Tadinha de Eva. Não é nada disso. Lilith não queria se medir com Adão: só afirmava sua igualdade essencial. 
E esse feminino aí, o da Marcha das Vadias, por exemplo, é o que assusta. É o que precisa ser contido. É contra ele que fala o mané do Danilo Gentili Rafinha Bastos, quando fala de dar de mamar em público com nojo e rejeição. Como se fosse piada. Como se ele pudesse dizer algo sobre isso. Se liga, mané. A gente é que engravida, a gente é que tem filho. Só lamento. A gente é que amamenta. 
Lembro de momentos bonitos de plenárias com agricultoras familiares, gente simples, pé no chão, que não tem com quem deixar os filhos: leva-os, e os amamenta. Ali, ora. Lembro da minha mãe contando das mulheres em Angola, que levam o filho atado às costas com um pano colorido e, na hora de amamentar, giram-no pra frente de um só movimento, simples e básico. Filho mama na mãe. Mãe que tem vida, da qual o filho participa porque mama. Sorry Danilo Gentili Rafinha Bastos.
Isso, pra mim - como tantas outras coisas ligadas ao feminino e aos meus filhos - nunca foi assunto: amamentei Felipe só até três meses, por conta de quimioterapia não-prevista, mas o João, ah, aí eu compensei. Até onze. E, claro, em todo canto em que se fazia necessário. Lembro, por exemplo, da despedida do Gustavo, na casa dele da Urca. Amigos vários. Eu ali. Mostrando o peito pra todo mundo. Sem perguntar, sem discutir. Meu filho. Com fome. Eu não preciso de "lugar isolado". De "canto separado". Eu quero ouvir as conversas, quero tar com todo mundo nessa hora de solidariedade e saudade. Ergo...
todo mundo viu meu peito. E daí? Daí nada. Tá tudo certo. É assim que tem que ser. Tá na ordem das coisas.
E, porque ganhei esse blog da Cacá de aniversário, e o nome dele é este (escolhido por mim), ou porque estou com 45 (quinze e meio + um ciclo de Saturno), é dessas feminices que tenho sentido necessidade de falar.
 Essas mesmas, que foram tão minhas a vida toda. E tão internas, tão silenciosas. Vividas, não discutidas.
Pois agora não.
Agora tenho vontade de contar. Agora me dou conta de que tenho um ponto de vista: o ponto de vista Lilith. E pra isso, imprescindível o nosso Chopinho, esse grupo de mulheres que vivem e trabalham e amam e são mães mas são, antes de tudo, mulheres - com tudo o que isso tem de subversivo, nessa sociedade em que o naturalizado é que homens e mulheres sejam machistas sem nem pensar a respeito.
E aqui faço, pra fechar, uma homenagem às mulheres da minha família, que formaram minha visão do feminino: minha mãe, claro, Lilith até a ponta das unhas. Minha tia Sônia, ascendente aquário, libertária, e também tia Pilar, o contraponto terra de que ela tanto precisa e que a complementa. Livres, apesar de terem sido presas e torturadas, com marcas que doem até hoje. Mas livres no que é essencial. 
Minha irmã Juliana, Lilith elegantérrima, que come sozinha lindamente, mesa posta, de talheres, e que escreveu um dos livros mais Lilith que conheço: Sinceramente Grávida , um livro sobre gravidez de capa azul-escura e que fala de motel, entre várias outras coisas. Onde se fala, inclusive, de uma instituição do Chopinho: a sacola de grávidas, fundamental pra que não se fique presa às roupas pastel de bebê grandão que parecem ser o lote das nossas lojas caretas. 
Por último, quero mandar um grande beijo prá madrinha do blog e do meu filho mais novo, Clarisse Lopes, que faz o lindo trabalho contado no blog Adolescentro Augusto Boal com paixão, persistência taurina e muita, muita competência. Viva você, Cacá!
... E aqui, pra variar, fico com os olhos cheios de lágrimas de novo. Lilith chora. Faz parte, homens. Não precisam ficar com medo. Faz parte.

5 comentários:

  1. Epifania pura...de fora pra dentro, de dentro pra fora. Até os ossos! :))

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  2. Salve Lilith e Ivan Lessa! Valeu pela passad no blog, Renata. Estamos "atentos" como diria Manu Chau! Grande abraço

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  3. Este comentário foi removido pelo autor.

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  4. Eu tenho até foto do peitão, com bico do lado de fora e tudo. Menino com fome, peito na hora.

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