segunda-feira, 10 de outubro de 2011

30 livros em um mês - dia 10

E, no dia 10, o "clássico" favorito.


Ahã.


Clássico tá entre aspas só no meu. Porque tenho dificuldade, pois não. O que é clássico? Sei direito não, juro. Sou meio vira-lata.
Sou bem vira-lata, aliás. 
E nunca separei livros em "clássicos" e "outros": minhas organizações são outras. Na minha casa nunca se deu muita bola pra essa categoria aí: "clássicos". Acho que quem gosta mesmo de livro - gosta, quer dizer, tem intimidade; não admiração, ou respeito, ou sei lá - não liga muito pra isso: gosta de ler, lê o que gosta, cria seus próprios clássicos.

Bom.

Mas acontece que eu fiz um curso de "língua e literatura francesas" - diploma e tudo. Fiz porque dava, porque eu falava francês, porque era perto. Fiz, em primeiro lugar, porque era um espaço de acolhida, um espaço onde as gentes me entendiam e eu entendia as gentes. Talvez, àquela época, o único espaço.
Era um curso de três anos: e eu tive que fazer em quatro. Isso porque cheguei ao final do terceiro ano com 17 anos - e como o curso dava um diploma que, na França, era universitário (e aqui poderia ter virado também, caso eu tivesse feito o ano de complementação pedagógica - aí eu teria uma licenciatura. Não fiz), eu só podia acabar com 18. O diretor da Aliança, Bernard Plaud, achava que se ele escrevesse pra lá, se explicasse que eu era boa aluna, blá-blá-blá... eles me liberavam.
Não deu pra ser, os caras não abriram exceção e eu fiz mais um ano - que não paguei, diga-se. E fiz feliz: estudei outros livros,  sob a batuta inspiradora de mestre Karydakis.

Isso tudo pra explicar que eu li, nesse contexto, alguns "clássicos": Candide, de Voltaire, O Vermelho e o Negro, de Stendhal, Madame Bovary. Flaubert.

E esse é o meu: não sei se porque o Karydakis transmitiu a paixão que era dele pelo livro, pelo autor à busca da palavra exata. Lembro dele contando da proibição do uso do nome "Journal de Rouen", que foi substituído por "Fanal de Rouen", pra dar uma sonoridade parecida.
Com Madame Bovary,  eu aprendi que qualquer história é história. Porque o que me encantou, levada pelo olhar do Karydakis, não foi a história: a história era a mais irrelevante possível, como queria Flaubert. Uma história de "fait-divers" de jornal, uma história banal. Uma história qualquer elevada a jóia rara pela arte do texto construído, lapidado, polido. Um dia para escrever um parágrafo, o cuidado na seleção dos nomes dos personagens, a atenção a cada frase - melodia, andamento... como se fosse uma composição musical. O esforço de parecer simples. 

Não sei qual era o signo de Flaubert, mas esse universo me evoca, em tudo, o signo da simplicidade e do amor aos detalhes: Virgem, um signo que esconde o brilho nas miudezas de que cuida, com atenção sustentada e cuidado permanente. 
Madame Bovary, uma mulher qualquer, um amor qualquer, uma morte qualquer - e uma viagem fantástica para quem ama as palavras. Um trabalho de obsessão e método. Uma obra a ser colocada no altar do deus das pequenas coisas.
Meu clássico.










5 comentários:

  1. Li Bovary traduzido para o português e gostei muito. Mas vou esperar mais uns anos, quem sabe me atrevo a ler o original e aí volto aqui, ou ali, pra concordar com você. :-)

    bjs
    Rita

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  2. Pois é, eu ia comentar algo sobre tradução. Porque taí um dos difíceis. E nem parece, porque não é "uma língua própria", como G.Rosa ou C.Lispector, ou ainda Joyce. Parece simples. Mas o cuidado com a harmonia é tal que dá a sensação que é intraduzível. Nunca li em português, nem sei quem traduziu. Mas fiquei pensando...

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  3. eu comecei minhas leituras pelos "classicos" mas era bem menina, preciso reler em minha maturidade...

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  4. "Com Madame Bovary aprendi que qualquer história é história", precisou apenas de uma frase pra dizer tudo que tentei no post (e nem sei se consegui). Um amigo muito querido uma vez escreveu "!Ora eu tendo a gostar apenas de livros tipo Fred Astaire, aqueles em que grande parte do esforço do escritor é, precisamente, o de ocultar o esforço que fez para o escrever." Queria ter escrito isso de tanto que me diz...

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  5. Um desafio e tanto desvendar Flaubert. Ele me foi apresentado ao iniciar o curso de francês. Foi Madame Bovary, que seria estudado no semestre final, que me fez não desistir da faculdade. Valeu a pena, é tudo que Renata primorosa e apaixonadamente descreveu.

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