segunda-feira, 17 de outubro de 2011

30 livros em um mês - dia 13

"Um livro que te faz lembrar de alguma coisa, um dia" - bom, como copiei a lista da Niara, só posso supor que isso deve querer dizer "alguma coisa, algum dia". Não que mude muito...


E... que livro será que não me faz lembrar de "alguma coisa"? 


Mas vamos lá. Desafio é assim mesmo.


E o livro será (pra minha surpresa - porque às vezes penso antes, mas esse eu nem tinha lido o que era e só pensei agora) "O Encontro Marcado". Porque assim funciona a memória, porque reli o post anterior e que por isso Alexandre está na minha cabeça, de leve. E "O Encontro Marcado" é dele. É "o" dele. 


Não sei se ainda é: mas nessa época, era. Quando eu tinha dezesseis e ele dezessete. A gente tinha se conhecido na Aliança, e ele era um "odd man out" naquela turma de senhoras e de filhos de exilados. Ele tinha dezessete e era só megaestudioso, inteligente. E por isso tinha ido parar ali, no Nancy, no fim da adolescência. E nem tinha morado fora nem nada. Alexandre tinha voltado de Minas há pouco tempo, e se considerava meio mineiro: por conta dele, passei a simpatizar com o Cruzeiro (e, evidentemente - duas faces da mesma moeda -  a não gostar do Galo). Por conta dele, BH passou a fazer parte da minha vida, pela via netuniana das memórias emprestadas. E BH fazia falta a ele, que não se entendia mais no Rio. 


Por isso, talvez, "O Encontro Marcado" tenha sido tão importante. Livro autobiográfico, "roman à clé" com chave tão fácil de achar: bem à vista, embaixo do capacho mas com a ponta brilhando pra fora. Fernando Sabino ("Eduardo Marciano") e seus amigos de juventude -  Otto Lara Resende e Hélio Pellegrino, "Hugo" e "Mauro", e também Paulo Mendes Campos (por quem nutro particular simpatia e por isso destaco - o texto é meu, oras). 
Livro angustiado, livro de amizades eternas, livro que fala de escolhas e de caminhos. Bebedeiras, conversas até não mais poder, namoros, diferenças sociais - por conta do namoro e depois casamento de Eduardo com uma filha de político importante. E livros, literatura, escrita sempre. 


Sonhos. Sonhos realizados, sonhos abandonados. Acho que isso é o que mais me toca, e talvez também o que mais tocava Alexandre: os sonhos, o devir, o vir-a-ser que só será caso se tenha a audácia de percorrer certos caminhos, de assumir certos riscos. "Viver é muito perigoso", como já dizia outro mineiro. Mas só é bom porque é perigoso, digo eu.(Ia dizer mais alguma coisa sobre isso, mas desisti e deletei pra não virar "post de autoajuda".)


Li e me assustei com o tanto de amargura contido ali. Alexandre aos dezessete tinha isso também. E, claro, fazia parte do encanto: sempre gostei de gente com marcas na alma. E eu, nessa idade, era um ser em carne viva, em tons de cinza e preto, olhos delineados e espinhos a proteger da estranheza do mundo. Colar-grisgris dado por Sakho, da Guiné Conakri: couro e dentes de tigre. Essa era eu. Mas, se eu tinha raiva, revolta, sede e angústia, não tinha (nem tenho) amargura: o travo do que não se fez, do que não se viveu. E me impressionava essa melancolia dura nesse cara tão novo. E no livro do Sabino, que ecoava tão precisamente seus sentimentos.


Revisito o tempo d'"O Encontro Marcado" com muito carinho por aqueles dois seres tão despreparados e ansiosos - Alexandre e Renata. Tantas vontades, tanta vida não vivida, tanto medo de não conseguir. De não acertar. De perder a entrada, a curva certa que nos levaria ao pote no final do arco-íris. De se deixar enredar pelos cipós traiçoeiros, de afundar nos lamaçais escondidos. Revisito com carinho e nenhuma saudade. Com uma sensação de "ufa". Passou. Saí. Sem nenhuma vontade de voltar. Longe de mim a melancolia dos "verdes anos". Argh. Tô fora. Sou mais agora. Mesmo que os tempos de agora sejam mais desencantados: sou mais eu-agora. Agora que descobri alguns códigos, agora que sou mais "parecida comigo", como diz a Luciana.Agora que já vivi um monte e não fiquei só à espera.


E ainda tem um tanto para. Mas o olhar pra trás ajuda.







4 comentários:

  1. Emocionei total aqui. Preciso ler esse livro. Obrigada por compartilhar essa lembrança tão especial. =))

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  2. Fiquei tão feliz porque o moço a quem as memórias são dedicadas gostou também. Ele hoje é sério (bom, sério sempre foi) diplomata em Londres. Mas a gente se manteve em contato, ao longo da vida.

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  3. Lindo, Renata. Acompanhando essa sua serie de posts estou me dando conta de como os livros nos ajudam a contar nossa propria historia, nao e? Estou adorando a sua.
    PS - Sou de Minas e ja li varios livros do Fernando Sabino, mas por alguma razao nunca li "O Encontro Marcado". Queria muito ler, mas depois do "Zelia, uma Paixao", perdi toda a vontade de ler qualquer coisa dele.
    PS2 - Bom saber que o homenageado leu e gostou.

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  4. Ah, Raquel, vale. O Sabino se perdeu em certa altura, mas era grande cronista e O Encontro Marcado é bem anterior a tudo isso...! E que bom que você tá gostando da série. Eu tô adorando revisitar...

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