quinta-feira, 20 de outubro de 2011

30 livros em um mês - dia 14

"Um livro que te faz lembrar de alguém". E, claro, pra variar, passeei por vários: o Neruda de "Confesso que Vivi" - meu avô lendo em voz alta, a gente naquele hotel branco em Argel, à beira da falésia. Neruda tem gosto de meu avô pra sempre. E esse era o primeiro que eu tinha escolhido.
Mas não vai ser.

Vai ser - e só pensei nisso hoje - "Cleo e Daniel". Roberto Freire: não o político, o outro. O psicanalista. Que no livro é o narrador contando a história de Cleo e Daniel.
Esse me lembra Lourdes. Lourdes, 35; Renata, 15. Lourdes que tinha acabado de se separar, que morava num apê térreo e com quintalzinho no Leblon, que tinha amigos artistas, cartunistas, poetas. Renata, ainda meio forasteira, num ano-chave: ano de primeiras vezes. Cabelo enorme e emaranhado, em carne viva, frio de gente, literaturas. Silêncios. Basta pensar que sinto um arrepio no peito. Ano dureza. Antes e depois dos quinze anos.


Nesse ano aí, fiquei pouco em casa: além de fazer tanta coisa na rua e chegar sempre tarde, dormia muito fora. Na casa de Claudia, na casa da Flávia. E na casa de Lourdes. A gente ia comer pizza provençale na Bella Blu do Leblon e tomar sangria. A gente ia naquele pequenininho e lindo, que fechou e do qual não lembro o nome: um que tinha um mural de avisos que eu adorava ler, e era do lado do ... Antonio's? 


E "Cleo e Daniel" era da casa de Lourdes: como tantos, puxei de uma estante qualquer. Casa de gente, pra mim, é casa e livros: mesmo que eu não mexa, mesmo que eu não tenha intimidade, sempre tento olhar, fazer o panorama dos livros. Dali dá pra saber tanta coisa. Dá pra vislumbrar tantas outras.


Mas "Cleo e Daniel" - Leblon, Lourdes, 15 anos, pizza, sangria, cabelos - era eu também. Era o meu desejo. Um livro sobre adolescentes. Um livro sobre amor livre. Um livro sobre dores de crescimento.  Era eu o tempo todo e por isso ficou. Era tudo o que eu queria, tudo o que eu não tinha: um grupo, um sentimento de violão com fogueira, uma gente se aquecendo, um amor imenso. E o que eu tinha: uma solidão, uma dor de viver, um não-entender.


Lourdes tinha 35 e parecia viver isso que eu sonhava e não tinha. Músicas, fumo, festas no quintalzinho. Um congresso de ioga em Itaipava. Amigos de monte que entravam, ficavam. Dormiam. Saíam, voltavam.
Eu olhava com olhos grandes de susto e vontade.
Foi no ano dos meus quinze anos.
Era "Cleo e Daniel". Que me lembra Lourdes.





6 comentários:

  1. Eu acho que ainda não tinha mencionado, mas quase tanto quanto dos posts gosto da trilha sonora sugerida, tão bom te saber em letra e som, é um aprendizado e um prazer. Eu nunca li Roberto Freire e nem pensava em querer, mas o tanto que quis a turma, o violão e o corpo livre. eita.

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  2. É engraçado isso, Lu, tanto quanto os posts que vêm meio no fluxo, parece que se constroem por si mesmos (tão ao contrário de tantas escritas árduas na minha vida), a "trilha sonora do post" se impõe. Porque a vida tem trilha, né. E ela vem sozinha, pra complementar. Eu tava aprendendo inglês e me sentia o "fool on the hill". Até hoje, se eu descuidar... ;-)

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  3. Que barato, prima! Minha mae me falou algumas vezes desta epoca em q vcs "badalavam", mas agora a estoria eh ainda mais clara pra mim... Vc sobreviveu bem a adolescencia para se tornar uma mulher linda, inteligente, carinhosa e amada :) Beijos e obrigada!

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  4. Re, que lindinho esse post. Fiquei viajando e me lembrando de minhas rodas de violão, que tive muitas. Mas com a imagem das falésias de Neruda lá atrás. Esse post é um filme.


    Bj
    Rita

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  5. porra, prima homônima assim é pra poucos! orgulho, sinestesias e afinidades eletivas!

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  6. ...pois é, Lui, foi um ano "começo do resto de minha vida", e sua mãe tava tão presente nele. Quando ela nem sonhava em ser sua mãe...ou será que sonhava? :)
    Rita, minha memória é toda assim: imagens. Os filmes tão dentro da minha cabeça...
    E, Rerê, muito honrada com sua visita! E agora que descobri onde você se esconde, visitarei por lá... Beijo enorme prás três!

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