sábado, 8 de outubro de 2011

30 livros em um mês - dia 9



O livro do dia 9 é daqueles "o mais": é "o livro mais triste que você já leu". E eu, que passei a semana não-escrevendo esse post, pensei na verdade em dois.

O primeiro é um livro de que nem gosto, mas que li porque fazia sucesso lá na casa de tia Zélia e tio Paulo naquelas férias (eu, esponja, lia o que quer que fosse assunto, o que quer que estivessem lendo. Na saudosa casa do Espinheiro, de tantas lembranças, li coisas que só lá mesmo): "Éramos Seis", de Maria José Dupré. É a história de uma família - pai, mãe e quatro filhos -, contada na primeira pessoa por uma das filhas. Acho, sem certeza, que foi tema de novela. Conta a história depois, quando tudo já passou e eles não são mais seis. 

O que me fez, de imediato, lembrar desse, foi a qualidade da tristeza ali relatada: uma tristeza dura, seca. Uma tristeza sem sonhos, sem possibilidade de esperança. Diferente da tristeza quente do desespero, da tristeza funda da angústia: uma tristeza contida e sem graça. Uma tristeza banal e triste, tão triste por isso. Tristeza feia.

O segundo talvez cause espanto, mas é isso mesmo: o segundo é Pollyanna - Eleanor H. Porter. O primeiro livro sem imagens que li. E eu devia ter menos de sete. Os de Monteiro Lobato tinham imagens, poucas mas tinham; Pollyanna, nada. Só a capa, em que o rosto da menina ruiva era apenas esboçado. Foi um passo, foi difícil. Foi uma conquista.

Em Pollyanna, o tão famoso "jogo do contente" é usado por ela pra combater a sempre presente tristeza: jogo ensinado pelo pai missionário (palavra que aprendi ali, como tantas), quando ela chorou por ter recebido, no malote de Natal, em vez da boneca pedida, muletas. Malote de Natal: pobreza. Renata, seis anos, tentando absorver aquilo, um mundo em que não se escolhe presente de Natal -eles vêm no malote, e pode acontecer de virem muletas em vez do esperado presente. E o pai, iniciando a trajetória do jogo: "você tem que ficar contente... por não precisar delas!". Faz sentido. Mas que é difícil, é. É um modo de combater a tristeza. 

Quando o livro começa, Pollyanna já é órfã (outra palavra aprendida): mais tristeza. Vai morar com tia Polly, responsável por metade do seu nome - a outra metade era da outra irmã da mãe, Anna. Tia Polly encarna aquela tristeza de "Éramos seis": seca, dura, sem esperança. E o livro conta o encontro dessas duas tristezas, a da menina órfã e pobre, a da tia amarga e solitária.
Tantas tristezas eu ali aprendi, nesse livro do qual para a lenda ficou somente o "jogo do contente". Mas, no vácuo, o jogo perde o sentido. Só serve quando a tristeza ameaça invadir todos os espaços: como um exercício de sobrevivência. De dizer "você está aí,mas eu sou mais forte". Não é brincadeira. Ou melhor, é brincadeira, e também é muito sério. Como tantas brincadeiras.



12 comentários:

  1. Éramos Seis, realmente, é de uma tristeza sem tamanho e sem fim.

    E Pollyanna... nossa, é muito triste mesmo, uma tristeza que a gente percebe, mas passa por cima, devido quem sabe à foto da menina sardenta sorrindo na capa.
    Lembro de Pollyanna recolhendo o gatinho, o cachorrinho, e depois, tentando acolher o Jimmy Bean...
    Depois de um tempo, eu comecei a achar o jogo do contente uma coisa bem perversa, sabe? Tipo, vamos ficar felizes, porque tem gente pior que nós? Sei lá... No fundo, até o jogo é meio triste...
    Mas, por outro lado, tem aquela máxima que nada é tão ruim que não possa piorar, né? Uma versão cínica do jogo do contente...
    Vc leu o Pollyanna Moça? Eu li... rs
    Adorei o post.
    Estou adorando descobrir tantas afinidades!

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    1. Li todos os Pollyanna, Rê. São três. Mas o foda mesmo é esse primeiro. beijos! (muitos séculos depois)

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  2. Puxa, eu nunca soube dizer, mas é isso: o jogo do contente não é uma balança com a tristeza alheia, o jogo do contente não trata de acomodação. É uma forma de lidar com a tristeza, colocando-a em relação com algo maior: a vida. É um exercício de sobrevivência. também aprendi muito (inclusive palavras, que bela lembrança) com os dois livros que você citou.

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    1. é tão doido isso do livro e da lenda do livro. E eu não me importo das pessoas lerem e não gostarem: me importo de não lerem e não gostarem, por causa da lenda. Pollyanna, um livro lindo e sensível sobre como sobreviver num mundo adverso. A lenda: uma menina otária não vê o cruel mundo real e se refugia em fantasias improdutivas.
      Tipo o contrário. Beijos!

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  3. Comecei lá no facebook, vou continuar aqui. Quando ouvi falar em Pollyana foi na minha adolescência todas as amigas tinham lido e amado e estavam lendo Pollyana moça. E eu me revoltava como uma pessoa, no caso Pollyana, podia viver com essa obstinação doentia em não se chatear. Em contornar a dor, odiava esse jogo do contente achava ele uma idiotice. Achava que era uma espécie de alienação.Eu tinha 12 pra 13 anos. Lembro até hoje da raiva visceral que as primeiras páginas do livro me causaram... Por que eu achava que o sofrimento era para ser sofrido e não entedia essa lógica do copo meio cheio, meio vazio. Acho que foi ai que descobri que sou pessimista e odiei pollyana por me mostrar isso...

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    1. Pois, Liliane...eu li muito, muito pequena esse livro. Como conto na história aí em cima. Meu primeiro livro sem imagens. A única pessoa que me falou dele foi minha mãe, que me deu o livro: ninguém mais. E acho que não falei com ninguém mais, como pequena introvertida que eu era.
      E achei - e ainda acho - bem o contrário do que você diz: não uma "estratégia doentia para não se chatear" , mas uma estratégia necessária para sobreviver.
      Como o "pensamento mágico" da Joan Didion.
      Bem nessa linha.
      Beijos.

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  4. Ah, que bom que você resgatou Pollyanna! Tua leitura dele foi a mesma minha, de uma tristeza. Depois o livro virou essa lenda e eu realmente tinha esquecido disso. Um paralelo meio besta: é como a série Sex & The City, que era libertária, agressiva, feminista (pelo menos em parte) e o que ficou dela foi a besteira de sapatos e roupas de grife. Bem, vou sugerir já essa leitura pra Nina ;)

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    1. Que legal, Tina! Pois é, li muito antes de ouvir qualquer história sobre "a lenda", sobre o que virou pro mundo. Tanta gente tá na linha do "não li e não gostei".
      Porque né. Pode não gostar, mas preferia que lesse antes...
      Tomara que a Nina se divirta. Beijo!

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  5. Nunca tive vontade de ler por causa da lenda. Agora fiquei curiosa. Acho que vou sair da estatística dos que não gostam e não leram.
    Obrigada pelo incentivo.

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  6. Nunca tive vontade de ler por causa da lenda. Agora fiquei curiosa. Acho que vou sair da estatística dos que não gostam e não leram.
    Obrigada pelo incentivo.

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  7. Li e gostei. Muito. Sempre fez muito sentido ver "a benção disfarçada ", como tenho aprendido com a Cabala, em algumas situações inóspitas. E ao contrário de fantasias ingênuas, acho que é um modo de esperançar, como Freire dizia. Um modo ativo de confiar... gosto do livro. Gosto de tudo q tu escreve. Real.

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    1. <3 pois então, Dri. concordo demais contigo sobre isso de não ser "fantasia ingênua". é uma postura ativa. pradiante.
      beijo!

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