terça-feira, 28 de junho de 2011

"Senador Randolfe, tenha juízo!"

.... cara... dá uma preguiça... mas não dá pra não comentar. O Pedro sabia, quando me mandou o link. Então lá vai. Esse título bombástico não é meu não: é daqui, de um textinho de Ricardo Setti.
Que acha que pode dizer, sem mais nem menos, que o Senador Randolfe - que é jovem e de um partido pequeno - "tem minhoca na cabeça" e que seu "projeto"(sic) - é uma emenda à Lei de Diretrizes Orçamentárias, Ricardo Setti - é "estapafúrdio, próximo do ridículo".

Seria bom que as pessoas soubessem do que estão falando antes de falar. Ou, como dizia Mlle Préfumo, minha professora da 4a série na École des Eaux-Vives, "Il faut tourner sept fois la langue dans sa bouche avant de parler". (É preciso girar a língua sete vezes na boca antes de falar, na tradução literal.).

Eu nem conheço o Senador Randolfe. Mas superávit primário eu conheço. Escrevi para o Fórum Brasil do Orçamento, junto com Rodrigo Ávila, um caderno intitulado Superávit Primário (a Flavia Filipini trabalhou numa primeira versão e está devidamente listada como autora, mas não a conheço), cujo subtítulo (vejam lá) dá uma idéia do que pensamos sobre o tema. E não é bom.

Rodrigo e eu somos economistas. Heterodoxos, mas economistas. Não sei da formação completa do Rodrigo, mas sei que ele tem mestrado. Eu também, assim como créditos do doutorado completos (os gringos chamam isso de Doctor ABD = All But Dissertation. Risos.) Ao que me consta, nenhum dos meus professores jamais me considerou "estapafúrdia" ou "ridícula". Irritante, às vezes, possivelmente. Inconveniente, outras. Mas sempre me trataram com consideração e respeito, e até hoje considero o Instituto de Economia da UFRJ um pouco minha casa. Lá sei que posso chegar e serei bem recebida.

A praga do pensamento único acrítico faz com que Ricardo Setti ache que pode ridicularizar o jovem Senador Randolfe em público - sendo que, na verdade, ele é que se ridiculariza aos olhos de quase qualquer economista (ou não-economista) que já tenha, de longe, ouvido falar em Keynes, Kalecki, e, no Brasil, em Conceição Tavares, Mário Possas, Fernando Cardim. Economistas reconhecidos, respeitados, consagrados.

Ricardo Setti não sabe do que está falando: mas, intoxicado pelos eflúvios diários do pensamento único midiático e por sua propaganda do superávit primário como panacéia, acha que pode desqualificar o interlocutor de uma penada. De uma teclada. De um ou dois xingamentos irresponsáveis.

Não, Sr. Setti, não é estapafúrdio querer acabar com a política de metas de superávit primário. E uma pequena pesquisa básica iria mostrar que essa política não existe em nenhum dos países que o senhor provavelmente respeita (esses aí, do primeiro mundo, de gente que sabe das coisas e fala línguas). Se quiser, dê uma olhada lá na nossa cartilhinha, que está precisando ser atualizada (esta semana mesmo falei com Rodrigo a respeito - ficamos de ver com o pessoal do FBO possibilidades de financiamento para uma nova edição). Explica pra leigos, esse é o objetivo dela. E por isso não vou refazer o fio lógico aqui. Esta notinha tem como propósito somente chamar a atenção para o quão deletério é o papel da mídia desinformante nos dias de hoje, que grita palavras de ordem criadas sabe-se lá por quem ou aonde (ou será que se sabe?) e se acha com direito de desqualificar um Senador da República que, talvez por ser mais sério do que a média, notou que essa política, que privilegia o pagamento de dívidas incertas em detrimento de gastos essenciais, nos engessa e impede a realização dos gastos necessários em educação, saúde, segurança.

O curioso é que, abrindo o blog do Senador Randolfe, deparo-me com a notícia: "CCJ do Senado aprova o fim do superávit primário." Tragam os sais para o Ricardo Setti. Ele vai precisar.

domingo, 26 de junho de 2011

O Mistério Insondável da Homossexualidade Masculina

Li no jornal de hoje: cientistas estão descobrindo que os genes femininos e os masculinos não atuam da mesma forma. O que isso há de querer dizer, não sei. Mas gosto.
Queria era falar do meu fascínio pelo homossexualismo masculino. Fascínio em que entra uma pitada de estranhamento; e, sem dúvida alguma, braçadas de admiração.
Mulheres homossexuais não me encantam assim. Afinal, qualquer mulher está a algumas taças apenas do homossexualismo. Mulheres se beijam, se pegam, se acariciam e se admiram sem nenhum pudor. Em que momento é que o afeto entre duas mulheres cruza a fronteira e se assume como uma relação lésbica? Talvez  nunca. Talvez de repente.
Zona cinzenta. Fronteira ampla e acolhedora de tantos subterfúgios, sorrisos, murmúrios, toques e cafunés.
Os homens  não.
Considero o ofício de aprender a ser homem, e sê-lo a cada dia, absurdamente árduo e penoso. “Arbeit macht frei”, ou “o preço da liberdade é a eterna vigilância”.
Homens entre homens - sem beijos (!!!), sem contatos.
No máximo (ao sul do Equador) alguns abraços apertados, repletos das palavras de carinho não pronunciadas, úmidos dos beijos não trocados e dos afagos nem mesmo imaginados.
Território perigoso.
 Nada que uma boa dose de Magnífica não resolva, é verdade. Nos fluidos domínios de Dionísio, barreiras cotidianas podem encontrar porteiras entreabertas. E tudo se esvai na ressaca da manhã seguinte.
Por isso, sair do armário para um homem me parece “verás que um filho teu não foge à luta”. Ou seja, coisa de homem. Opção sem volta. Mudança de país, de costumes, de dialeto. Com armas e bagagens. Ou com a roupa do corpo.
Viva eles. Os que ousaram. Meus heróis.



8.06.06    

quinta-feira, 23 de junho de 2011

O outro nome do Chopinho

O outro nome do Chopinho Feminino é Lilith. Lilith, a primeira mulher de Adão. Aquela que foi expulsa do paraíso por não aceitar deitar-se por baixo de Adão. E que foi "enquadrada" como bruxa, foi execrada, foi relegada. 
Ela e tudo o que esse feminino aí representa. Como tá em "Mulheres que Correm com Lobos", de Clarissa Pinkola Estés. Feminino livre, feminino que assusta por ser livre. Que não compete, não quer ser igual: ao contrário, afirma-se na sua diferença e na sua originalidade. Lilith, ao contrário de Eva, não foi criada a partir da costela de Adão. 
A pobre Eva era um mero arremedo: um estepe. Já que a verdadeira, a igual, criada junto com Adão, tinha ido embora. Fala sério. Da costela? "Eva coava / o café que Adão tomava..." . Tadinha de Eva. Não é nada disso. Lilith não queria se medir com Adão: só afirmava sua igualdade essencial. 
E esse feminino aí, o da Marcha das Vadias, por exemplo, é o que assusta. É o que precisa ser contido. É contra ele que fala o mané do Danilo Gentili Rafinha Bastos, quando fala de dar de mamar em público com nojo e rejeição. Como se fosse piada. Como se ele pudesse dizer algo sobre isso. Se liga, mané. A gente é que engravida, a gente é que tem filho. Só lamento. A gente é que amamenta. 
Lembro de momentos bonitos de plenárias com agricultoras familiares, gente simples, pé no chão, que não tem com quem deixar os filhos: leva-os, e os amamenta. Ali, ora. Lembro da minha mãe contando das mulheres em Angola, que levam o filho atado às costas com um pano colorido e, na hora de amamentar, giram-no pra frente de um só movimento, simples e básico. Filho mama na mãe. Mãe que tem vida, da qual o filho participa porque mama. Sorry Danilo Gentili Rafinha Bastos.
Isso, pra mim - como tantas outras coisas ligadas ao feminino e aos meus filhos - nunca foi assunto: amamentei Felipe só até três meses, por conta de quimioterapia não-prevista, mas o João, ah, aí eu compensei. Até onze. E, claro, em todo canto em que se fazia necessário. Lembro, por exemplo, da despedida do Gustavo, na casa dele da Urca. Amigos vários. Eu ali. Mostrando o peito pra todo mundo. Sem perguntar, sem discutir. Meu filho. Com fome. Eu não preciso de "lugar isolado". De "canto separado". Eu quero ouvir as conversas, quero tar com todo mundo nessa hora de solidariedade e saudade. Ergo...
todo mundo viu meu peito. E daí? Daí nada. Tá tudo certo. É assim que tem que ser. Tá na ordem das coisas.
E, porque ganhei esse blog da Cacá de aniversário, e o nome dele é este (escolhido por mim), ou porque estou com 45 (quinze e meio + um ciclo de Saturno), é dessas feminices que tenho sentido necessidade de falar.
 Essas mesmas, que foram tão minhas a vida toda. E tão internas, tão silenciosas. Vividas, não discutidas.
Pois agora não.
Agora tenho vontade de contar. Agora me dou conta de que tenho um ponto de vista: o ponto de vista Lilith. E pra isso, imprescindível o nosso Chopinho, esse grupo de mulheres que vivem e trabalham e amam e são mães mas são, antes de tudo, mulheres - com tudo o que isso tem de subversivo, nessa sociedade em que o naturalizado é que homens e mulheres sejam machistas sem nem pensar a respeito.
E aqui faço, pra fechar, uma homenagem às mulheres da minha família, que formaram minha visão do feminino: minha mãe, claro, Lilith até a ponta das unhas. Minha tia Sônia, ascendente aquário, libertária, e também tia Pilar, o contraponto terra de que ela tanto precisa e que a complementa. Livres, apesar de terem sido presas e torturadas, com marcas que doem até hoje. Mas livres no que é essencial. 
Minha irmã Juliana, Lilith elegantérrima, que come sozinha lindamente, mesa posta, de talheres, e que escreveu um dos livros mais Lilith que conheço: Sinceramente Grávida , um livro sobre gravidez de capa azul-escura e que fala de motel, entre várias outras coisas. Onde se fala, inclusive, de uma instituição do Chopinho: a sacola de grávidas, fundamental pra que não se fique presa às roupas pastel de bebê grandão que parecem ser o lote das nossas lojas caretas. 
Por último, quero mandar um grande beijo prá madrinha do blog e do meu filho mais novo, Clarisse Lopes, que faz o lindo trabalho contado no blog Adolescentro Augusto Boal com paixão, persistência taurina e muita, muita competência. Viva você, Cacá!
... E aqui, pra variar, fico com os olhos cheios de lágrimas de novo. Lilith chora. Faz parte, homens. Não precisam ficar com medo. Faz parte.

quarta-feira, 15 de junho de 2011

Viva Ricardo Boechat

Estou escrevendo enquanto ouço a ótima reportagem de Ricardo Boechat sobre a situação dos bombeiros, na Bandnews FM no dia 6 de junho. Boechat é um dos nossos bons jornalistas - e nesse caso específico, honrou a profissão. Acho que todo jornalista que se preze há de ficar orgulhoso ao ouvir esse audio (no final do post). Um exemplo de um jornalismo que rarissimamente se faz no Brasil: informado, engajado, comprometido. Jornalismo sério.
Claro que não podia dar certo. Dizem que ele tá sumido desde que o programa foi ao ar. Me falaram que ele estaria doente, mas isso foi desmentido. Que pena. Que pena que a Band News não peitou o governador, não ficou ao lado do seu repórter quando este nada mais fazia do que o melhor que um repórter pode fazer - taí o Robert Fisk que não me deixa mentir (como costuma dizer meu irmão -jornalista - "inglês é Fisk".). Taí o pessoal do Monde Diplomatique - Ignacio Ramonet, Serge Halimi e companhia. Engajados, comprometidos, informados. Como Boechat na matéria sobre os bombeiros - contracheque de um bombeiro na mão e muita coisa pra dizer sobre a desastrosa invasão do quartel pelo BOPE, depois que a tropa de choque se recusou a fazer esse triste papel.
É isso.
Um post pequeno, de alegria pela coragem. De apoio a Ricardo Boechat. Viva ele. Que ousou enfrentar nosso tresloucado desgovernador. (E eu nem preciso de coragem pra dizer isso: não sou empregada de nenhum meio de comunicação).
Não deixe de clicar no link. E divulgue. Boechat merece.
Boechat - Band News, 6 de junho de 2011
P.S. Chegou-me a notícia de que Boechat tá fora por stress. Beleza. Mas que tem macumba do governador, ah, isso tem.

terça-feira, 14 de junho de 2011

*NOTA DOS BLOGUEIROS DE ESQUERDA (EBLOG) EM APOIO AOS ESTUDANTES DA PUCRS

O grupo dos Eblog – Blogueiros de Esquerda – apoia os estudantes combativos da PUCRS e repudia veementemente as agressões desferidas pelo Diretório Central de Estudantes (DCE) dessa universidade há mais de 20 anos. As agressões – físicas ou não – se repetem ano após ano, a cada eleição fraudada, ameaça ou via de fato, e a Reitoria da PUCRS, vergonhosamente, se omite, assim como o Ministério Público, deixando à própria sorte milhares de estudantes de uma das universidades mais importantes do país, mas que não consegue sequer garantir aos próprios alunos a segurança e o direito à democracia interna. Dessa forma, repudiamos não apenas as ações do DCE, mas as omissões dos diversos órgãos que deveriam proteger a liberdade dos estudantes contra uma máfia instalada desde a década de 1990. Ao mesmo tempo, manifestamos nosso apoio e solidariedade não apenas aos estudantes da PUCRS envolvidos nos recentes protestos, mas a todos os agentes e entidades sociais presentes nessa importante luta democrática, e os convidamos a usar nossos espaços da mídia independente e popular para publicizar e defender suas demandas.

Eblog – Blogueiros de Esquerda
Alexandre Haubrich – www.jornalismob.wordpress.com
Lucas Morais – www.diarioliberdade.org
Thiago Miranda dos Santos Moreira – www.ruminantia.wordpress.com
Gilson Moura Henrique Junior – www.tranversaldotempo.blogspot.com
André Raboni – www.acertodecontas.blog.br
Niara de Oliveira – www.pimentacomlimao.wordpress.com

sexta-feira, 10 de junho de 2011

Um baú sombrio, um fundo amarelo e uns olhos

Esse post é de ontem. Porque ontem é que ele fez dezessete anos. Mas eu sabia que ia chorar, eu sabia que precisava tar sozinha e que tinha que ser de manhã.

Então agora vai.

A descrição do título é de um trabalho de escola: a professora de artes (Cacau) pediu para os meninos (na 7a ou 8a, terminologia antiga) fazerem um auto-retrato (grafia antiga - a nova ainda não é obrigatória). Um auto-retrato do que não se via. Acho que era isso. O quadro do Felipe era um soco: sobre um fundo amarelão, um baú escuro entreaberto. Dentro do baú, uns olhos.
Era ele. Era eu na idade dele. Uns olhos de tudo ver, de dentro de um baú. E o mundo em volta, amarelão. 

Nunca mais vi o quadro: só na exposição do São Vicente. Ele foi pra casa do pai - coisas de quem tem duas casas. Mas ficou gravado na memória, pelo tanto que continha de verdade. Felipe é assim também: brutalmente franco, sem concessões. É por isso, talvez, que às vezes ele prefere não falar.

Foi com  Felipe que eu nasci como mãe, há dezessete anos. A gente aprendeu juntos: ele a ser filho, eu a ser mãe. O começo foi difícil, por conta de um não-esperado linfoma de Hodgkin que eu comecei a tratar quando ele tinha três meses. E no entanto, minha lembrança daquele período é de sol e de alegria. Felipe,  bebê de cura, trazia isso tudo e me alimentava todo dia de forças pra ir prá quimio, pros exames novos. (Pronto. Já tô chorando. Sabia.)

Felipe e seus olhos pretos de tudo ver. Olhos que absorvem a luz. A luz do fundo amarelo, de dentro do baú escuro. Por baixo das sobrancelhas escuras, do cabelo escuro.

Pequeno, ele falava pelos cotovelos. Aprendeu a ler muito cedo, e, sobretudo, a escrever. Escrevia histórias ("O menino do cabelo em pé", "A lagartixa de chinelos"), com desenhos, e depois lia pra platéia encantada. Inventava jogos também, jogos de tabuleiro:  pula duas casas, volta pro começo... e a gente  jogava com ele, no chão da sala.
Em algum momento na passagem, ele foi ficando calado. Entrando, aos poucos, no baú. Olhando, meio de viés, com os olhos de tudo ver.
Desenha, escreve. Artístico por natureza. E aí a gente vislumbra um pouquinho de como vêem os olhos. Mas é só um pouquinho de cada vez. E nem dá pra pedir muito, que corre o risco do baú fechar e pronto. É preciso ter calma e paciência.

Felipe foi a primeira pessoa que eu chamei - e chamo - de "meu amor". Desde sempre. A segunda foi João, irmão dele. E só. Homens são chamados pelo nome, aqui na nossa administração. "Meu amor" é pra Felipe e pra João. Meus amores.

Talvez esse texto surpreenda gente que me conhece há tempos: não costumo falar disso. Não mesmo. Tenho certa irritação de responder a perguntas perfunctórias sobre crianças. Digo "tá tudo bem" e mudo de assunto. 

Aqui, talvez, dê pra ver porque: é muito grande. É muito fundo. É muito intenso. E eu (como disse lá no comecinho) sou parecida com  Felipe. Tem coisas que a gente deixa dentro do baú. E só de vez em quando... como quando Felipe faz dezessete anos. 

Dezessete, já. Ainda.

Viva você, meu amor.