quarta-feira, 5 de outubro de 2016

Uma história de rodas e redes

Esta semana, como acontece de vez em quando, estive em uma mesa em que eu era a única pessoa participante efetiva de redes sociais. Uma situação rara, mas ainda existente. Pessoas que não estão nas redes sociais, ou que apenas estão para fazer contato com os próprios amigos "reais" - de fora das redes.

Na verdade, não só nas redes sociais: na internet em geral. Porque, como muita gente sabe, antes das redes sociais eram os blogs. E suas caixas de comentários: lugares onde a gente se encontrava e conversava, onde a gente aprendia a conhecer gente e acabava criando relações.
Depois vieram as redes, e pra elas a gente migrou. Aumentou, claro. Intensificaram-se os contatos, as possibilidades, os encontro. Multiplicaram-se as redes e a gente passou a esbarrar com as pessoas lá e cá, em uma e outra.


Como é frequente acontecer, as pessoas-que-não-frequentam-redes são cheias de opiniões sobre elas. E esse é um raros dos casos em que eu sorrio e deixo passar o assunto. Sorrio, balanço a cabeça, deixo passar. Quem me conhece sabe que isso é um "quase nunca". 

Mas nesse caso, não acho que valha a pena. Não pretendo convencer ninguém a entrar: quem quiser que entre. Além disso, não basta entrar, acho eu. Porque você pode entrar e fazer desse jeito: não posta nada pessoal, não conta nada sobre si mesmo, não adiciona ninguém que já não conheça. Entrou mas não provou.

Pra provar, é aquele negócio: tem que brincar de iceberg gelatinoso. Rebolar. Deixar-se ver. Mostrar um lado, outro lado. Uma curva diferente. Um brilho inesperado. Um toque ácido, um sabor suave. Daí as miudezas que dizem desnecessárias. O que você come, quem viu quando foi correr, o pôr-do-sol generosamente compartilhado com os amigos, a história dos gatinhos bebês, o sonho da noite passada.
Desnecessárias?
Mas não é assim que a gente se conhece?

Só que é essa a beleza das redes: a gente não precisa saber de antemão que tenha alguém escutando. É lago, é praça: a gente lança a garrafa com a mensagem. Chegou em alguém? Teve resposta, fez contato? Olha só. Olha quem curtiu, quem comentou.... eita, essa eu não esperava. Fulaninho gosta dessa música? Quem diria. E aquela ali, vê o que ela disse sobre a foto da orquídea na frente da minha casa... Hahaha pelos terninhos do dia-a-dia, ninguém imaginaria que tivesse tanto senso de humor. E o amigo de Fulano, aquele diplomata lá da Índia? Você já conhecia? Ah, não, aquele foi uma descoberta de alma gêmea. Que bom que tem as redes, né. Afinal, ele tá na Índia. Onde é que a gente iria se conhecer se não fossem as redes?

Pois é. Isso é algo que se vive, não se relata. O relato disso ia parecer tentativa de convencimento, propaganda do tio Zucka (ó, tio Zucka, olha eu falando bem de tu aqui. Mas nem. Tu nem imaginava que ia virar isso, confessa). Então não faço. Ainda mais que a gente sabe: capitalismo mau, a gente posta conteúdo e eles ganham dinheiro, eles tão sugando a gente, tão invadindo privacidades, o interesse deles é só tirar o que podem e o que não podem da gente.
E eu lá vou discutir verdades tão óbvias? Tô falando é do resto. E o resto.... aí tem que viver por conta própria. Eu é que não vou conseguir contar.
Sorrio, balanço a cabeça, deixo passar.




segunda-feira, 12 de setembro de 2016

A sensação de segurança e a cafeteira elétrica


É algo muito interno. Pra fora, eu pareço uma pessoa que não dá a mínima pra segurança: eu vou, eu faço, eu largo sem olhar pra trás. E tem isso também, claro. Vou mesmo, faço mesmo, largo mesmo.
Mas.
A questão é que, em tantas coisas, a segurança me é fundamental. 
Essa aí é uma delas.
Teve a oficina de escrita criativa da Fal, e eu tava meio que na produção: arrumação do espaço,  água, lanchinho, controle do tempo. 
Aí o lanchinho, fundamental para a pausa da oficina de quatro horas. A Carla fez aqueles brownies incríveis, eu comprei umas duas tortas salgadas, sucos, café. 
Pois.
Na casa da minha mãe, onde aconteceria a oficina, tem cafeteira italiana. Eu sei usar a dita cafeteira, claro. Mas não é "a minha". Não é a que eu uso no dia-a-dia. E antevi: ficaria tensa até a hora de preparar o café. E se eu não fechasse a cafeteira direito? E se não passasse? E se transbordasse, e se ficasse ruim?
A solução também é típica: levaria a minha, ora. A cafeteira elétrica que uso todo dia há .... o que, 16 anos? Por aí. A que eu conheço, a que me é familiar, a que me deixa segura.
Fiz um bilhete para o companheiro de café em casa, no sábado de manhã, e colei na garrafa térmica:


Dearest

Perdão, mas achei que ia estressar tendo q fazer café na italiana. 

Esse é de 11:23. 
Espero que esteja bom. 
Beijo, R.

Deu tudo certo, a oficina foi uma delícia e o café até foi bastante elogiado. Só que nem era esse o ponto: poderia ter ficado apenas ok. Meu propósito nem era que o café ficasse bom. Era apenas não ficar tensa porque talvez. Sabendo que a minha cafeteira estava lá, pude aproveitar a primeira parte da oficina, tranquila.
E assim é a vida minha: um monte de gambiarras para fazer com que os "talvez" sejam minimizados.
A bolsa, por exemplo: tem coisa mais linda do que mulher de bolsa pequena? Admiro, aprecio, invejo. Não tem chance de me acontecer. Porque afinal, talvez chova, talvez esfrie, talvez eu entre no ar condicionado, talvez eu precise retocar a maquiagem, talvez. Tanto talvez, e minha bolsa tendo que dar conta de todos eles.
Não dá pra ser pequena, vocês hão de concordar.



quarta-feira, 24 de agosto de 2016

Uma carta para vovô Marcos



*Por Maria Lins
   Sempre fui uma pessoa que gosta muito de ficar pensando nas coisas. em todas elas, de reparar nos detalhes, nas pequenas coisas, por aí vai... E eu sempre acabo me perguntando o porque das coisas acontecerem. Por que tudo que é bom dura pouco? E muitos outros porquês que ficam entalados aqui dentro de mim. Dessa vez não foi diferente, tinha acabado de ler um texto incrível que minha tia Tata fez sobre você, desabei.
  Constantemente vejo pessoas falando de você, todas com gosto, com carinho e com saudade. E me pergunto: por que eu não tive a oportunidade de te conhecer melhor? De saber das suas manias? De te contar as novidades? Tantas perguntas que eu gostaria de te fazer, tantas histórias que eu queria ter ouvido de você, tantos abraços que eu queria ter te dado. Você deve ter sido mesmo um sujeito muito especial, tenho certeza que a gente se daria muito bem, apesar de nossos signos não combinarem taaaanto assim... Ah, isso é uma coisa que eu gostaria que você soubesse; eu acredito em signos e tenho um interesse enorme por esse assunto. Minha mãe às vezes fala como era seu jeitinho virginiano na mesa de jantar, acho engraçado. (Ela pegou algumas das suas manias, principalmente aquela que não pode passar pimenta direto pra pessoa, tem que primeiro colocar na mesa, e assim, a pessoa pode pegar para usar também.) Já meu pai fala que você foi o pai que ele nunca teve. Conta de como vocês se davam bem e de como você era culto e adorava bater um papo com uma comidinha e uma bebidinha gostosa pra acompanhar. 😊
Maria e Vovô Marcos
  Como é possível sentir tanta falta de alguém que você quase não conheceu? Não entendo. Talvez não tenha explicação pra isso, Nem pra você ter ido tão cedo, com 64. Os médicos nunca souberam dizer o por quê. A real é que ninguém sabe o por quê. A vida tem dessas. E aí fica aqui dentro de mim esse sentimento de como seria se você estivesse aqui, o que você ia achar de mim, do meu jeito, das coisas que eu gosto... É, eu sei, é uma incógnita.
 Mas assim eu vou levando a vida, juntando as fotografias que eu vejo suas, alguns textos sobre você, as histórias que me contam, com a ideia que eu crio em minha mente do virginiano/amigo/profissional/pai/avô maravilhoso que você foi. Às vezes isso basta, às vezes não. Na maioria das vezes eu lembro e fico feliz. Às vezes eu lembro e dá aquela vontadezinha de chorar, e choro. Pra mim é muito cruel a ideia de que quando uma pessoa se vai ela simplesmente não está mais aqui, então, eu permaneço acreditando que mesmo você não estando aqui fisicamente, vai estar sempre por perto.
E que alívio que dá. ❤

com carinho e com saudade, Maria.



terça-feira, 16 de agosto de 2016

Uma Despedida

“Eu estive lá. Foi bonito. Muita gente”, me disse ele. E meu coração aqueceu um pouco. Que bom que tinha muita gente. Que bom que foi bonito. Parece pequeno e pouco, mas minha impressão é que a gente vê todo mundo nessas horas. Que a gente absorve a energia toda de quem esteve lá com a gente, pra chorar com a gente, pra abraçar a gente.

Rituais, despedidas. Homenagens. Falas, às vezes: às vezes não, é apenas um estar junto. Um afirmar silencioso “eu estou aqui, com você”. Sua dor é minha dor também. Vamos puxar esse barco juntos, carregar essa pedra juntos, contar essa história juntos. Eu estou aqui, com você.

Mesmo que o tamanho da dor seja seu. Todo. A dor não diminui, ela só fica, talvez, menos fria. Muda a qualidade. Porque a gente está ali. Em volta da fogueira. Dando as mãos. Cantando kumbayá. Ouvindo os causos e as histórias que são uma forma de fazer com que a pessoa que se foi esteja presente. Uma forma de dizer que ela continua presente, pela marca indelével que deixou na gente. Tatuagem.

Que é pra me dar coragem de seguir viagem quando a noite vem.

Meu irmão, meu amigo, meu amor, eu não pude estar aí com você. Meu coração estava aí com você. Meu coração está aí. Com você. Viva ele que você amava. Que você ama. Viva você que a gente ama. Sigamos. Vamos juntos.


imagem daqui


quarta-feira, 10 de agosto de 2016

Enamoramento e Relação: Casa V e Casa VII

O que eu gosto mais na astrologia é a forma como ela me ajuda a pensar as coisas: um "recorte do real" que a mim é bem útil. Tenho brincado com a ideia de fazer mais dois blogs (inspirada na Luciana e na Fal), um de economia - ainda não sei que nome teria - e um de astrologia. Esse de astrologia se chamaria algo como "Astrologia - pra que serve". Assim, com uma pegada prática e pé no chão bem taurina. Eu sou muito pouco "esferas" e sou muito "raízes". Não me preocupo muito em acreditar, por exemplo. Sou da galera do "por que não?". E com o "por que não?" vem o "vamos ver se funciona". Então é isso: astrologia, pra mim, funciona. Pra você não? Não vou suar a camisa por isso, não tô aqui pra convencer ninguém. Apenas conto, pro caso de alguém se interessar ou se identificar. 

Um assunto que é legal de tratar em astrologia, porque na cabeça da gente é meio misturado, é esse: a questão do que se chama vaga e imprecisamente de "amor" (aspas, aspas), e que na astrologia pode ser observado a partir da análise das casas V e VII do mapa natal. 

A casa V, tradicionalmente associada ao signo de Leão, trata de tudo o que está ligado à criatividade: responde, basicamente, à pergunta sobre o que nos faz nos sentir mais vivos. Dentre as respostas possíveis está, sem dúvida, o apaixonar-se. A taquicardia, os olhos brilhando, o rosto afogueado, o passo mais alerta, a vontade de cantar e de dançar à toa...



(botei o link acima, e ali aprendi que essa música foi criada para ser jingle de motel... faz sentido...)
É isso. Apaixonar-se, no fundo, tem mais a ver com a gente mesma do que com a outra pessoa, objeto da paixão. É algo que a gente cria, que a gente inventa. Como uma música, como um texto, como uma dança. É claro que as características reais ou percebidas da outra pessoa dão uma âncora pra esse sentimento: mas a ideia da flecha de Cupido é boa, e me lembro de tia Nastácia, que foi flechada sozinha (pela Emília que tinha surrupiado o arco e a flecha do deus) e ficou um tempo assim, apaixonada pelo vento. Na adolescência tem muito isso, paixões platônicas, ao vento, que a gente compartilha com a melhor amiga e pouco tem a ver com a pessoa por quem, supostamente, a gente está apaixonada. É de repente. É reluzente, é vivo, mas é, por sua própria natureza, fugaz.

Já a Casa VII, a dos relacionamentos - e, não à toa, dos inimigos declarados - associada ao signo de Libra, trata de algo bem distinto. Algo que tem a ver com o tempo necessário para "comer um quilo de sal" com alguém. O tempo é fundamental nisso: quem é que consegue mostrar só as qualidades ao longo de meses, de anos? Ninguém, né. Ainda mais se as pessoas forem íntimas mesmo, dormindo juntas, morando juntas. Aí é que você vai ver como a pessoa escova os dentes e aperta a pasta, como ela deixa a toalha após o banho, a pia da cozinha, se faz junto, se espera que façam, se é calma ou impaciente, como leva as rasteiras inevitáveis da vida....  Quando a gente começa a pensar com mais cuidado na casa VII, passa a considerar que talvez os casamentos arranjados não sejam tão absurdos assim - afinal, se a gente entende que as pessoas, ao invés de serem indivíduos "livres" e independentes, à moda ocidental, são parte de uma comunidade, de uma família, de um grupo, e têm responsabilidades ali, os motivos para se escolher um marido ou uma esposa deixam de ter a ver com os efeitos do apaixonar-se. E daí se você não é apaixonada por ele? É um homem bom, tem uma situação sólida, quer filhos. É da nossa religião, a gente conhece a família dele....  enfim, todos aqueles motivos que a realeza nunca deixou de usar na hora de realizar os enlaces de seus filhos e filhas. 
Para além do fato de que isso, evidentemente, não se encaixa com nossa forma ocidental de pensar, a reflexão aberta sobre essa questão ilumina os meandros do "dar certo" ou não de um casamento. A necessidade de acolhimento e aceitação das diferenças e idiossincrasias, a importância da troca pela conversa e, às vezes, pelo confronto, a paciência que vem do reconhecimento de que depois de um dia vem outro dia, e atrás desse muitos outros. Muda, não é mesmo. Muda a perspectiva. Se hoje não tá bom, quem sabe amanhã melhora, com algum esforço? Se desse jeito não tá dando, talvez fazendo daquele outro, ajeitando as peças e os corpos, deixando passar o que não tem real importância. Deixando claro o que não dá para aceitar, se for pra continuar.
A capacidade de rir junto, de ficar em silêncio junto.
Viver a vida é também isso, nos conta a Casa VII. Ir além do apaixonamento e andar ao lado. 

Não sei vocês, mas eu acho bonito. 



imagem daqui

quinta-feira, 4 de agosto de 2016

Eu em português ou "traduzir uma parte na outra parte"

Esta noite, viajei na leitura do texto delicioso da jornalista Lauren Collins - em inglês - sobre as dificuldades de namorar com alguém que não tem a mesma língua nativa. A língua materna dela é o inglês, a do marido o francês, e o texto reflete sobre muitas das questões que envolvem discutir, argumentar, seduzir em língua alheia. Ou vice-versa. Mistérios. Máscaras indesejadas. Como é que você é você em outra língua?

Línguas são minha praia (alô povo dos #12anos4ever, aquele abraço!) desde sempre. Tendo a achar que Lamarck estava certo e que isso foi herdado do meu pai: a impressão que dá é que ele passou o gene das línguas para os três filhos. Mas a minha reflexão consciente sobre isso começou aos sete anos, quando me vi imersa em língua diferente da minha (francês) e tendo que remar todo dia para entender e me fazer entender. O processo não foi longo em tempo-de-adulto, e no final do ano eu já estava apta a ganhar um daqueles prêmios que as escolas em Genebra davam para os melhores alunos. Não tenho tampouco lembrança de ter sido particularmente difícil: foi, isso sim, intenso. Estado de atenção permanente: entender não só as palavras, mas o que as pessoas querem dizer com elas. As entonações, as ironias, as piadas. Tudo tão diferente da língua da qual eu vinha. 

Após os primeiros tropeços, acabei aprendendo a manejar com destreza aquele instrumento novo. E, quando já estava tudo calmo e eu pensava e sentia naquela língua que um dia tinha sido estrangeira, mudou tudo de novo e pela segunda vez vivi algo semelhante - estranhamento, adaptação. Esta segunda vez foi, sem dúvida, bem mais dolorosa: foi difícil adquirir a consciência de que a língua de onde eu vinha, na qual me reconhecia, minha língua materna, não me reconhecia mais e se esquivava, qual fogo-fátuo. Achei que era só chegar e correr pro abraço. 

Ledo e Ivo engano, agora é que eram elas: a língua, tal como eu a falava, já tinha virado uma espécie de esperanto bilíngue, um espaço em que, além dos aportes dos meus pais e tios (com quem a gente aprendia todo dia expressões e modos de dizer brasileiros), meus primos, meus irmãos e eu depositávamos também nossos jeitos de falar em francês, apenas literalmente traduzidos. Expressões idiomáticas, sarcasmos, humor. Aquele português ali era só nosso e não, como a gente imaginava, a língua real e dinâmica do Brasil. Esta já tinha se modificado e se transformado, ao longo daqueles cinco anos em que a gente ficou longe. Fora que o português dos sete anos não é exatamente o mesmo dos doze: pode parecer que sim, pra quem vive isso num contínuo, mas pra mim que tive esse corte do ir-voltar parece evidente que os conceitos aprendidos até os sete são os "de dentro de casa": família, lar - estendido até a escola. Depois disso, e até o começo da adolescência (justamente nos doze-treze), é que se constrói a individualidade, a língua própria,  a forma de cada um ver e expressar o mundo através da fala e da escrita. O primeiro descolamento do núcleo familiar.

Isso é que eu tive de aprender de novo, e até já toquei nesse tema por aqui, num texto intitulado  "Palavras forasteiras". E tinha isso, as palavras que eu não conhecia, as gírias do momento, mas também as formas de falar, as metáforas - tantas metáforas ligadas a futebol, que eu demorei a usar porque tinha vergonha.... tomar cuidado pra não "pisar na bola", conseguir que acontecesse "aos quarenta e cinco do segundo tempo", marcar um "gol de placa".... algo que está tão entranhado na realidade brasileira que a gente nem se dá conta, mas imagina um gringo tendo que entender (ou traduzir, deus me livre) este comentário?
"A presidente Dilma, como técnica, tem direito de escalar quem quiser. Mas como todo brasileiro dá pitaco na escalação de times, vejo que com a decisão de chamar Lula, às vésperas de um partida decisiva e que pode por fim a seu governo, Dilma chama um craque veterano, que estava no banco, fora de forma e que já entra com um cartão amarelo e uma arquibancada dividida. É uma escalação de altíssimo risco."
Pois é. Pra mim também foi difícil. Porque o "falar português" tinha a ver com encontrar as "minhas" palavras em português. Dentre as variadíssimas formas pelas quais se pode dizer algo, qual era a que melhor refletia meu jeito? Aprender as formas. Entender as formas. Incorporar. Observar, observar, observar. Quem usa, como usa. Testar, na língua, na vida. Ver o que funciona, o que não. Deixar de lado a ironia nossa de cada dia, que aqui é vista como grosseria no mais das vezes (sinto falta de brincar disso até hoje, confesso). Aprender a fazer desvios, contornos e a não ser tão direta (não aprendi direito, foi mal. Acho que, nesse caso, a personalidade não ajudou muito....). 

Corta.

Muitos e muitos anos depois, um cara com quem eu estava começando a sair sentenciou, divertido: "você fala que nem um moleque".
Eu ri.
E gostei.
Foi como se ele tivesse, ali, chancelado minhas escolhas. Eu tinha, afinal, aprendido a me expressar de verdade em português: era eu mesma. Moleque.






segunda-feira, 1 de agosto de 2016

Quental, que vestia a camisa

O nome do rapaz não era mesmo esse: mas vamos chamá-lo assim. Quental era um jovem, de vinte e tantos anos, já casado. Trabalhava numa empresa carioca e por conta disso a gente trabalhou juntos em certa época: eu pela prefeitura, ele pela empresa. 

Quental era bem gente fina e trabalhador, desses que não recusam nenhuma tarefa. Era conversador e olhava todo mundo nos olhos: a gente se dava bem, ou essa foi minha impressão (a dele, só ele sabe). Nesse período de trabalho intenso, porém, o que me impressionou foi a forma como Quental "vestia a camisa". Nunca antes tinha sido apresentada a esse tipo tão comum (como vim a descobrir ao longo da vida) que é o trabalhador que se mistura com a própria firma a ponto de falar a língua do empregador, mesmo nas horas de folga. 

Jovem, já havia "galgado parâmetros" dentro da empresa e tinha um cargo de relativa importância. Orgulhava-se. Do cargo, do crachá, do ambiente da empresa, da sala de reuniões, das baias abertas ("a última novidade", que me horrorizava). Uma vez ou outra tivemos reunião lá na hora do almoço: cardápio cuidado, garçons servindo e... uma sala sem janelas. Nenhuminha. Nem basculantes, nem frestas. Paredes sólidas e opacas. Eu fazia o maior esforço, mas odiava ter que passar duas horas naquele ambiente em que não se via se era dia ou noite, se estava chovendo ou fazendo sol. Uma amostra das alegrias da "vivência-imersão na empresa".

Nunca mais ouvi falar de Quental, e às vezes penso nele: será que continua lá? Será que ascendeu como prometia? Será que ainda está casado? Será que se deu conta que era mais do que aquilo? E caso positivo, o que terá feito? Pode ter dado um chute pra cima em tudo e ido cultivar bromélias em Macaé de Cima (inspirado pelo Eduardo Cão, que não está nessa história). Ou pode apenas ter começado a fazer terapia pra conseguir lidar com as pressões e decepções inerentes ao ambiente corporativo.

Quem saberá. Daqui, do meu cantinho de onde se vê a pedra e o céu azul, vai um abraço pra Quental, generoso, gentil e trabalhador. Desejo-lhe o melhor. Tomara que esteja bem. Qualquer que tenha sido sua escolha. Tomara que não tenha se deixado engolir ou triturar pelas maravilhas dinâmicas da corporação.

(Vai outro abraço, entre parênteses, pro Eduardo Cão, que não está nessa história, mas insiste em se fazer lembrar).


domingo, 31 de julho de 2016

Meus dois tostões sobre Me Before You

Foi assim: as amigas todas em polvo rosa por conta de "A Amiga Genial", da misteriosa autora italiana (?) Elena Ferrante. E eu já tinha visto em livraria, já tinha aberto e começado a ler, mas não tinha me conquistado. Aí a Mary W escreveu esse post aqui, já sobre o segundo volume - amei, claro, e resolvi tentar de novo.

Aí, amigos, deu-se uma daquelas coisas que só ocorrem quando se é, como eu, uma dinossaura de livrarias em sua forma física. Entrei decidida na Travessa de Botafogo, e logo perto da porta me deparei com uma pilha de "A Amiga Genial". Peguei o de cima, abri. Li uma página, duas, três e... larguei (vou acabar tendo que ler o resto só pra entender o tamanho da minha dificuldade com um livro desse tipo, que tinha tudo pra eu gostar e recomendado por gente de que gosto tanto). Na pilha ao lado, tinha "Me Before You" ("Como Eu Era Antes de Você", em português. Mas o nome em inglês é tão mais fofo. Por que será que não botaram "Eu Antes de Você"?), de Jojo Moyers. Imaginei - corretamente - que fazia parte do mesmo pacote: best-seller, chick lit. Minha praia, em suma. 

Peguei um livro e.... não soltei mais. Li várias páginas ainda na livraria, continuei lendo no metrô de volta pra casa, acabei de ler em dois dias, nos intervalos das obrigações. Por puro acaso, esbarrei com o segundo volume ("After You", dessa vez traduzido direitinho para "Depois de Você") e li tão rápido quanto o primeiro. 

Vá você entender o que pega num, o que não pega no outro. Sobre "A Amiga...", ainda não sei, mas realmente pretendo investigar, de tal forma acho estranha essa aversão e esse bloqueio tão pouco característicos. Sobre "Minha Vida Antes de...", tenho uma ideia. A voz me pegou. A voz da narradora, que na maior parte do tempo é a personagem principal, Louisa Clark. Uma moça com gosto por roupas engraçadas, que mora numa cidadezinha perdida no interior da Inglaterra, trabalha num café sem muitas pretensões e de um dia pro outro se vê desempregada. Lou mora com a família e tem um namorado viciado em exercícios e boa forma. Uma pessoa sem grandes questões. Mas que olha a vida de forma divertida, como divertido é o texto do livro. Um livro que poderia ser triste e meloso, já que o próximo emprego de Lou é cuidar de Will Traynor, um tetraplégico jovem e amargo que era extremamente bem-sucedido e dinâmico antes do acidente que o prendeu a uma cadeira de rodas. Eu jamais compraria um livro com a sinopse deste ("jovem sem ambições vai trabalhar cuidando de paraplégico e isso muda seu olhar sobre a vida"), caso não o tivesse aberto na livraria. A história é qualquer uma. A voz, não. A voz é o que me pega: como a história é contada é o que conta. Se me permitem. Um humor tão inglês, bordado em subtons e sobrancelhas levemente erguidas.

Não esperem grandes profundidades: é chick lit mesmo, no sentido não só de ser literatura para mulheres, mas de ser literatura leve, de férias, com um pé no romantismo e sem grandes reflexões.  Um livro bom de ler à beira mar, balançando na rede... Mas (me) faz sorrir, me emociona, me dá vontade de conhecer e conversar com a Lou. De ter notícias dela agora, depois de tudo. Diverte, distrai. E não simplifica demais. O final é o que tinha que ser e isso também é uma das qualidades do livro. 
Vão lá. Espero que se divirtam tanto quanto eu me diverti.

P.S.
Vi o filme também, cujo roteiro é da autora. O filme não "rende" tanto quanto o livro, mas cumpre a função de manter o tom. É leve, é divertido. Do casting, gostei bem da atriz principal que faz a Lou (Emilia Clarke, a Daenerys de GoT), do rapaz que faz o Will (Sam Clafin, de Jogos Vorazes) e tanto, tanto, do pai dela, feito pelo Mr. Bates de Downton Abbey (Brendan Coyle). Sotaques ingleses, como se deve.





quarta-feira, 20 de julho de 2016

Para um amor no Recife

Meu amor,

eu sei. E fico com pena de não estar aí, bem porque sei. Não adianta ninguém dizer nada, mas sou boa de não dizer nada. De ficar do lado, só. Respirando junto. Estando ali. Deixando a tristeza se espalhar e invadir e se enroscar, como uma onda. Que vem. Mas vai também. Ela vem e se enrosca, a gente fica ali, quietinha, e ela vai. O negócio é saber esperar. Prender a respiração quando ela submerge, aquietar o coração. Aí ela vai indo, vai indo e... quando você vê, já está conseguindo respirar de novo. Já dá pra abrir o olho. 


Sorrir? Talvez ainda não. Demora um pouquinho. Precisa ter paciência pra isso também. Acolher a tristeza do jeito que ela vem. Não fazer de conta que não existe, não querer jogar pra baixo do tapete ou enfiar no fundo do armário. A tristeza faz parte. Deixa ela vir e se instalar. Não é inimiga, apenas é. Tem os dias-sim, os de sol e de canto no peito: desses a gente já sabe gostar. Há que cuidar de aprender os dias-não, os de cantinhos escuros, de sombra, de rosto molhado. A dor funda. Respira, deixa acontecer. É movimento, é vibração, é onda, é balanceio. Pra lá, pra cá... balança ela na rede, embala ela. Canta pra ela dormir, baixinho. Devagarinho. Alisa, amansa, afaga. 
... Pronto. Viu o que eu te dizia? Adormeceu...



quinta-feira, 14 de julho de 2016

Inventariozinho à toa



Um chá em xícara de porcelana, um biscoitinho do lado.
Uma mesinha de pé com toalha bordada.
Uma fivela de cabelo esquecida na pia do banheiro.
Um pente de madeira de dentes longos, bom para pentear cachos.
Um par de pantufas de focas, já meio gasto.
Um livro marcado em páginas várias. Sublinhado em cores diferentes.
Um guardanapo com marca de batom vermelho.
Uma taça de vinho com a mesma marca.
Um cinzeiro e vários cigarros.
Uma toalha felpuda, ainda úmida.
Um chaveiro com um olho, uma pimenta, uma figa e muitas chaves.
Uma pitada de risos, um pingo de saudade, um suspiro de desejo.
Uma mancha de tinta. Uma lágrima.






terça-feira, 5 de julho de 2016

Demoro pra fazer ninho

Acho que o completo é assim: demoro pra fazer ninho, preciso fazer ninho. Preciso me sentir segura, confortável, instalada no ninho. Pra poder. 


Poder o quê, me dirá você. Poder qualquer coisa. Dar minha opinião, por exemplo. Porque isso é em qualquer lugar: no trabalho, enquanto não me sinto à vontade, em casa, segura, tenho dificuldade de falar. E já perdi muito ponto na vida com isso. Sou rápida e objetiva depois que começo, mas tenho grande dificuldade de começar. E isso parece estar associado a essa necessidade de fazer ninho.


"Você é pop", me dizia um amigo sobre o meu aniversário. E eu lembro de tanto tempo em que já não fui pop. E tinha medo. Que ninguém fosse. Que eu ficasse sozinha. Até hoje tenho dificuldade de ver cenas de filme em que isso acontece. "A Corrida do Ouro" é o que me ocorre. O personagem do Vagabundo do Carlitos convida a moça pra jantar, ela acha graça e aceita. Mas esquece, não vai. Eu era criança e me debulhei em lágrimas, lavei o cinema de lágrimas. Ser esquecida: a dor maior. O medo constante.

Aí, fui descobrindo ao longo da vida: a solução é o ninho. Fazer meu canto, me sentir bem, aconchegada. Daí vai. 

É claro que nem sempre é possível. No mundo do trabalho? Canto? Aconchego? Não é exatamente disso que se trata.... Tento. E quando não dá, não ando. Uma tragédia, já que não tenho herança, não tenho dinheiro guardado e preciso trabalhar pra sobreviver. Vou embora. Largo, abandono. Não consigo levantar, não consigo ir. Quem me conhece há tempos sabe: ajo como se fosse dona do mundo, como se pudesse me dar ao luxo. Não posso. E, mesmo assim, faço. Fazer o quê.

Ontem, falava de ambientes tóxicos: aprendi a identificá-los. E, sempre que possível, a me proteger. Sou a anti-competidora, só sei trabalhar junto. Se o ambiente pede que se mostrem as garras, que se afiem as facas, não sei fazer. Me assusto, me encolho no canto, tenho vontade de chorar, de fugir. Mas se for pra construir, pra fazer coletivamente, aí acho que posso dizer que sou boa: trabalho em equipe é o que sei melhor. Se for eu a coordenadora da equipe, sei construir o ambiente de confiança e segurança necessário para que tudo funcione a contento.

Só que não aguento injustiça. Não sei levar bronca por algo que não fiz e ficar calada, não sei ver gente explorando os outros do meu lado sem tentar intervir.... mais pontos perdidos com isso. Por não ter ficado quieta. E, às vezes, era melhor mesmo ficar quieta, já que eu não poderia fazer nada. Só que não sei.

Trabalhar em casa, em ambiente virtual, resolve parte das questões. Não todas, entretanto: prefiro mesmo ter horário, sair de manhã, voltar à noitinha, esquecer o trabalho quando não estou lá.... em casa, não há "lá". Há o trabalho que se acumula, a procrastinação, as interferências. E sinto falta das trocas presenciais. Mas é ninho, sem nenhuma dúvida.

Comecei achando que ia escrever sobre algo e o texto deslizou por vontade própria, numa conexão entre meus dedos e uma parte do cérebro que não é a vontade consciente. Como tantas vezes. Como se fosse uma análise de divã, como se estivesse no consultório da Betty e observasse minha voz dizendo palavras e construindo fios de sentidos que eu nem sabia que existiam.

O eixo é o ninho. O ninho de que preciso. A casa, o canto, os amigos de copo e de cruz. Sou tartaruga. Levo isso comigo, pra onde for. Preciso de espaço para descansar meu casco. Abrir minha barraca. Largar minha âncora.

Até viajando faço ninhos: o café em que conheço o garçom, a praça em que passo todo dia, a banca onde compro jornal e converso com o jornaleiro... Numa viagem de uma semana, já dá. Ancoro lugares estrangeiros em mim e sinto saudade. Me impregno e passo a ser um pouquinho dali também. Por uma semana, fui dali. E a memória guarda.

Disse que demoro? Demorar é relativo. Depende do acolhimento, da receptividade. Não depende de mim - essa a parte que me angustia. Ah, se tudo dependesse de mim....

Aí vou indo. Fazendo ninho sempre que dá. Nômade aconchegada. Cigana ancorada. Em embarcadouros às vezes improváveis. Em ilhas repentinas. Em peitos largos e mornos.
E sinto saudade. Infinita. Pra sempre.



segunda-feira, 4 de julho de 2016

Astrologia: qual é a minha praia

Pois é. Quem não lida com isso não sabe, mas é claro que tem especializações, tendências. Diferenças de fazer e de ver. Astrologia mundana, astrologia horária, astrologia tradicional....
Minha praia é mais facilmente contada pelo viés das mestras: Claudia Lisboa e Martha Pires Ferreira. 

Claudia foi a primeira, a que me deu régua e compasso. O vocabulário, o jeito de olhar. Ela vem da linhagem começada por D. Emy, Emma Costet de Mascheville, uma senhora de nome de princesa e alma ampla, de muitos filhos biológicos e astrológicos. Eu sou uma neta, dentre tantos. Claudia, luminosa, em sua casa branca no alto do morro, ensinava desfiando, piscianamente: contando história. Fazendo caminho. Um curso de vários anos, porque astrologia não se aprende do dia pra noite. Indo pelos signos e seus significados. Pelas casas, pelos aspectos. Revelando pra gente a gramática por trás daquilo tudo. Sem esquecer a arte. Sem nunca esquecer a arte.  

Martha Pires foi a segunda: autodidata, irreverente, sábia toda vida.... no principado de Santa, entre estantes e quadros, levou a gente (Miriam, Jayme, eu) a aprofundar aspectos, trouxe novo olhar vindo de tantos anos de prática, conduziu a gente pela mão no estudo de mapas de famosos. Vidas fechadas e conhecidas, boas para entender a matéria da astrologia. Uma alegria ver a Martha interpretando um mapa. 

Tanto uma como outra têm em comum a generosidade e o brilho no olho: uma curiosidade permanente, uma vontade de destrinchar mais, de aprender mais que não cessa. Considero que fui muito abençoada: grandes mestras essas. Agradeço (aos deuses, aos orixás, ao acaso). 

Depois dos anos de aprendizagem, o negócio é fazer caminho, que astrologia é prática. Nem sempre tranquilo, nem sempre fácil: mas um caminho bom de andar, viu.

Os mapas de gente é que são minha praia: do resto sou observadora interessada. Gosto de fazer mapa de gente que "não acredita": não tem a ver com acreditar, não é mesmo? Não é para convencer, que também não é disso que se trata. Para apresentar. Como uma forma de ver, de organizar isso que a gente chama de realidade. 

Mapas de clientes desconhecidos: fascinantes pelas descobertas. Pelos encontros das pessoas consigo mesmas, de uma forma diferente. É um caminho a se fazer juntos, uma troca: o mapa permite uma análise simbólica e quem dá concretude aos símbolos é, evidentemente, quem o vive. Assim, os mapas em que o cliente não abre a boca ficam mais pobres, na minha opinião. "Les meilleurs thèmes sont ceux dont le client fait lui-même la moitié", parafraseando Voltaire.

Mapas de gente conhecida, amiga: é sempre um encantamento. Como se eu estivesse conhecendo a pessoa de novo: outro olhar. Chego no mapa desarmada, sem procurar confirmar o que já sei sobre a pessoa. E em geral me surpreendo. No começo foi difícil, é grande a tentação de buscar reforços às "verdades" que se sabe: mas é claro que o propósito não é esse, e à medida que se vai adquirindo confiança, pela prática, vai ficando mais simples olhar com olhos novos. De ver. "Olhos de criança", como uma vez me disse alguém.

Revoluções solares: o ritmo e o arranjo do ano ao tocar a melodia do mapa. Alguns mais agitados, outros mais tranquilos; alguns mais cheios de bossa, outros mais básicos. Com ênfases em áreas diferentes. 

Sinastrias: como se dá sua relação com o outro? O que há em comum, o que há de particular? Onde os encontros, os desencontros? Qual a fonte dos desentendimentos e das dores? Ajuda um tanto olhar e saber. Acho que dá certa acalmada.... e pode colaborar para novas formas de trocar e de compartilhar. 

Por aí vou caminhando. Lentamente, como boa taurina. Um pé após o outro, na busca da segurança. Este ano, fazem dezesseis anos que comecei a estudar astrologia. Foi no ano 2000, vejam só... um ano fértil. Em janeiro de 2001, nasceria meu segundo filho. Veio junto com a astrologia. :) 


Mestras: Claudia e Martha. Obrigada!

foto daqui.

quinta-feira, 30 de junho de 2016

Um dia de Chico

O Caetano é brinde :)
Se tem algo nessa vida pra que eu tenho facilidade, é isso: línguas. Falo. Várias. Falo mesmo português, francês, inglês. Falo italiano alguma coisa, espanhol dá-pra-me-virar. Astrologuês. Economês. E Chico.
Já escrevi vários posts em "chico", como por exemplo esse aqui lá no Biscate Social Club. Como dá pra ver, não tem aspas: não estou citando, estou falando Chico. 

E falo um tanto. No meio das frases normais. Chico já fez tanto parte. E isso contei nesse outro. É meio uma língua mesmo. Como o 


Vai, meu irmão, pega esse avião, você tem razão.... que dá vontade de dizer pra tanta gente agora. O avião dele era um pra cá. O de agora é um pra lá. Mas serve tanto. 

Mas não diga nada que me viu chorando, e pros da pesada diz que eu vou levando.

Mirem-se no exemplo daquelas mulheres de Atenas. É irônico, galera, é irônico. Cês juram que não tão vendo? Quando eles se entopem de vinho costumam buscar carinho de outras falenas, mas no fim da noite aos pedaços, quase sempre voltam pros braços das suas pequenas helenas.

E a Rita, que levou meu sorriso, e no sorriso dela, meu assunto? Sempre tive um pouco de raiva da Rita. Como é isso, Rita? Levou os meus planos meus pobres enganos, os meus vinte anos, o meu coração, e além de tudo, me deixou mudo o violão. Ainda bem que não era de verdade, e que o violão seguiu na vida, tocando e encantando.

Sim, vai e diz, diz assim, que eu chorei, que eu sofri de arrependimento... que o meu desalento já não tem mais fim....

O cara dilacerado, olha que dor mais bonita de se ver.... ainda mais que ele desiste. É tão bonito isso de desistir. Diz que eu estive por pouco, diz a ela que eu estou louco pra perdoar, e que seja lá como for, por amor, por favor, é pra ela voltar.... 

E dá a volta por cima:
No palco, na praça, no circo, num banco de jardim/ correndo no escuro, pichando no muro, você vai saber de mim... 

Vou armado de dentes e coragem, vou morder sua carne selvagem.... Hoje é o dia da graça, hoje é o dia da caça e do caçador. 

Hoje é dia de Chico aqui no Chopinho. Como tantas vezes. Tim-tim.



domingo, 26 de junho de 2016

O bolo de bolo da Angélica

Desde que me entendo por gente, gosto de cozinhar. Gosto de cozinha, dos cheiros, das texturas, do calor do fogão.... de misturar sabores, de inventar novidades, de experimentar ideias. Só que minha praia é comida salgada. Comida "de sal", como dizem. Não sei fazer doce, e como meu paladar sempre foi mais pro salgado, não me faz falta. Eu gosto de comida mesmo.

Me veio de novo à mente a história que minha prima Roberta conta, da gente criança falando da casa da bruxa de Joãozinho e Maria. Ela diz que eu sonhava com uma casa cujas paredes fossem de carne de porco e o telhado de purê de batata. Não tenho nenhuma lembrança disso, mas faz todo sentido....

Dentre os doces, eu gosto dos menos sofisticados: pudim, bolo-de-bolo..... não sou chegada a caldas, recheios e quejandos. Um ou outro, pode ser: em geral sou básica. Aí que a receita de bolo da Angélica chegou, via Central do Textão, e logo se alojou no meu coraçãozinho: parecia tão fácil, não precisava bater claras em neve, "dar o ponto" de nada.... era pra mim.
Tô há dias querendo fazer, mas não tinha os ingredientes. Quando comprava um, via que outro estava faltando. O último foi o fermento - fiz uma encomenda à padaria só pra comprar fermento, e o rapaz não trouxe. Mais atraso. Hoje de manhã finalmente estava com tudo. E tem dia melhor do que domingo de manhã pra fazer bolo?

Aí vem uma reflexão astrológica: quem me conhece sabe que sou extremamente bagunçada. Sou, com uma exceção: a cozinha. Credito isso à minha casa VI preenchida por Virgem. Meticuloso, organizado, preciso: na cozinha, sou virginiana. Já contei aqui sobre lavar louça, uma atividade de que gosto em vários sentidos. Um deles é justamente esse: o da organização. Separo por categoria, limpo antes de começar, arrumo.... organizo no secador os talheres por tipo, numa sequência que beira o obsessivo ("faz mais sentido botar as colheres com os garfos, deixando as facas separadas, ou os talheres de cada tipo todos juntos?") : pois bem, cozinho do mesmo jeito. A diferença é que ,quando cozinho comida salgada, entra também uma parte de criatividade na história. Método mais criatividade. No caso do bolo, não: é seguir regras e organizar. 

Fiz tudo como manda o figurino. A Angélica dá boas dicas como essa de ligar o forno e untar a forma antes de começar. Mas já tinha separado todos os ingredientes na bancada da pia. Assim os ovos tiveram tempo de ficar à temperatura ambiente. Tirei o iogurte do copo-medida e lavei o copo, pra poder usar com as outras coisas. Peguei duas tigelas grandes e o batedor (manual). Pronto. Depois segui o passo-a-passo da receita, misturando os secos de um lado, os molhados do outro, mesclando os dois, deixando o fermento para incorporar no final, sem bater. Botei também uma pitada de sal, seguindo ensinamento da minha avó (sempre uma pitada de sal no doce, uma pitada de açúcar no salgado). Separei parte da massa pra misturar com chocolate (só tinha Nescau, aí foi tu mesmo). 

Aproveitei pra deixar a massa descansar um pouquinho e lavei os (poucos) utensilíos na pia. 
Aí botei no forno e rezei - não, vim conversar com o povo das redes. Não tinha tempo definido e pedi socorro: a resposta foi que eu deveria verificar a partir de uns 25 minutos. Esperei meia hora pra dar conta redonda, quando o cheiro do bolo já se espalhava pela casa. Enfiei o garfo e ele saiu sequinho.... Voilà!

Uma nova era começa, pressinto. Renata Boleira!

(mentira, continuo sendo dos salgados: mas ficou bem bom, fofinho toda vida, e estou absolutamente orgulhosa do feito.)

Gracias, Angélica!

foto meramente ilustrativa: mas o meu ficou assim!



terça-feira, 21 de junho de 2016

A tia Fulana e os talheres de prata

Na minha escola pública em Genebra a gente tinha um fichário de textos, organizados por tema, no estilo "Para Gostar de Ler". Um cardápio-degustação, de certa forma. E fui atrás de muitos livros por conta daquele fichário. 

O que está na minha cabeça hoje tem a ver com o texto de ontem sobre astrologia: e não sei nem de que livro foi tirado, nem o nome da autora. É um texto que nunca me saiu da cabeça, e que depois, bem depois, eu fui conectar com várias características associadas ao signo de Touro, que é meu signo solar. Acho que provavelmente já até escrevi a respeito: só não sei onde. 

É um texto em primeira pessoa, de uma mulher adulta, que se lembra dos seus aniversários de infância e de uma tia sua, que, em vez de brinquedos, lhe dava sempre um talher pesado, de prata. Às vezes uma colher de servir ou outra. A narradora se lembra com pesar de como desprezava esse presente da tia, já mais velha e fora de moda. Preferia os brinquedos e bonecas dados de presente pelas outras tias, mais jovens e mais afeitas aos gostos infantis. Acaba o texto contando que todos aqueles brinquedos de que tanto gostara na infância agora tinham desaparecido: e no entanto, lá estava, reluzente, o faqueiro de prata, que tia Fulana tinha conseguido completar ao longo dos anos.

Esse texto me incomodava e me tocava: não gostava do desprezo velado que continha pelos brinquedos. Eu amava minhas bonecas, minha bicicleta, meus patins, teria odiado ganhar um talher de prata de aniversário... e no entanto não conseguia deixar de ficar tocada pelo esforço da tia Fulana, de ofertar algo durável, algo útil, algo que servisse para a vida da amada e ingrata sobrinha. Durável. Útil. Prático. Palavras tão taurinas. Touro, esse signo sem charme. Sem o brilho fugaz de Gêmeos, sem o encanto de Sagitário, sem a adorável confusão de Peixes. Sem o carisma de Escorpião, sem os maneirismos elegantes de Libra. Touro. Pesado. Denso. Estável. Fincado no chão de terra. Confiável. 

O texto da tia Fulana era pra mim, claro. E eu não o reencontrarei nunca mais, já que não sei o título nem o nome da autora. Mas ele mora em mim para sempre. Ele e os talheres de prata. Têm sua beleza, os talheres de prata. Não para uma criança, mas para a adulta que essa criança se tornou. E, além de tudo, servem para alimentar-se: querem imagem mais taurina? 


imagem daqui

segunda-feira, 20 de junho de 2016

Astrologia: não teve jeito





Já escrevi sobre minha história com astrologia em outros posts aqui mesmo e também neste da Constelar. Não foi nem simples nem fácil essa pessoa filha de uma católica com um suposto ateu materialista assumir que a astrologia chamava. E era bem assim mesmo, um chamado. Ao contrário da economia, em que entrei porque achei que precisava (e acho que precisava, de fato). Ao contrário das línguas, que sempre fizeram tão parte que nem lembro quando não eram. Astrologia era algo "de fora" que me atraía absurdamente. 

Eu não comentava, mas comprava livros. Tentava entender esse jeito de pensar fascinante e diferente de tudo o que eu conhecia. Entendia que devia haver uma lógica, mas era outra. Diferente daquela a que estava acostumada. As explicações que faziam associações pseudo-cartesianas do tipo "os astros influenciam sua vida" não me satisfaziam: não me parecia fazer sentido aquilo. Mas sentido havia de ter. Fui procurando: Jung ajudou um tanto.   Precisei passar por um curso teórico de medicina chinesa para entender um pouco mais da lógica da astrologia. Analógica. "Em cima como embaixo". E, num livro sobre psicologia esotérica (sim, isso existe) encontrei, na parte que falava de astrologia, elementos que me ajudaram a entender essa outra forma de pensar. Um "corte vertical", diz o autor. O que há de comum, verticalmente, entre todas as categorias: céu, mineral, vegetal, animal, corpo, local, estação, cor..... sendo essa lista tão longa quanto se queira. A cada "plano da realidade" corresponderia uma representação de um princípio arquetípico.  Níveis diversos, unidos por um "algo comum". 

Assim, quando se faz um mapa de nascimento, não se está dizendo que aqueles planetas do céu daquele momento "influenciam" a criança que nasceu, como as fadas no berço de Aurora, que viria a ser a Bela Adormecida. Eles apenas seriam a representação do mesmo momento: aquele instante e sua qualidade apareceria no céu como na terra, e na criança que nasce. Espelhos, reflexos. Sentidos. Por isso é que me parece que o estudo da arte da astrologia não termina nunca. É acúmulo permanente: quanto mais sentidos acumulados para cada significante (signos, casas, planetas, aspectos), mais rica será a interpretação de cada mapa. 

Voltando à história começada e interrompida, acabei me rendendo. Assim, como quem não encontra outro jeito. Uma vez me disseram que eu era "muito corajosa" por dizer, nas redes sociais, que sou economista, mas também faço mapas astrológicos. Não acho que seja: é apenas inevitável. Esconder o quê? Nem a economia que eu aprendi nem a astrologia a que me rendi me definem. Não "sou" esses corpos de conhecimento, apenas os visito e tento transmitir o que lá vi e aprendi. 

Contradição? Ué, não mais do que ser católico e economista, não acham? Ou budista e economista, ou muçulmano e economista.... se ser religioso não impede de ser pesquisador, por que a astrologia impediria? É simplesmente porque ninguém pensa nisso, quando se trata de religiões - pelo menos em suas versões não-fundamentalistas, que convivem com a ciência desde sempre. Por que a astrologia haveria de ser diferente? Não, claro que não estou dizendo que a astrologia é uma religião: apenas comento que o fato de acreditar em algo não-reconhecido pela ciência não impede a boa prática desta. Mas, por algum motivo, a astrologia (que em geral quem critica conhece apenas de horóscopo de jornal) é mais malvista. Embora seja bastante praticada. Mas é por debaixo dos panos....  algo que não se diz. Como se a pessoa deixasse de ser uma pessoa séria por conta disso. Não entendo bem, apenas constato. Dei sorte de vir de uma família em que se estimulava o "por que não?". E a curiosidade em geral. Por qualquer assunto. Assim foi que meu pai, o suposto ateu materialista (que no entanto não recusava um jogo de búzios ou uma catedral), passou a me dar livros de astrologia de presente. Minha tia, outros. Assim foi que todo mundo foi se acostumando com essa ideia esquisita de ter na família alguém que era economista, mas que também fazia mapas. A eles todos, agradeço.

terça-feira, 14 de junho de 2016

Carta ao Jayme

Jayme querido,

acordei hoje pensando em você. Você nem imagina o que está acontecendo em São Paulo: com um frio horroroso, a Guarda Municipal tá tirando os cobertores, colchões e papelões do pessoal de rua. Acredita numa violência dessas? E sabe qual é o argumento que eles estão usando? Privatização do espaço público..... nesse frio, cara, já morreram pelo menos quatro pessoas em São Paulo. Quer dizer, morrer pode, privatizar o espaço público é que não. E isso, na terra dos puxadinhos de calçada, das coberturas não-regularizadas, dos espaços fechados para estacionamento privado, das ruas com cancelas onde só quem se identifica é que pode entrar.... privatização gourmetizada pode, mas pobres enfeiam a cidade, não é mesmo. É muito revoltante.

Lembrei de você, claro, por conta dos sopões. Chegou essa época do ano de novo, e você ia estar lá, distribuindo sopa quente, como todo ano. E eu só sei disso porque você teve que contar algo que ninguém sabia sobre você, e que correspondesse ao espírito aquariano de solidariedade e de fazer coletivo. Aí você contou isso. Seus colegas engravatados provavelmente nunca souberam. Não era algo que você fizesse para se exibir: era convicção mesmo. Virar a noite distribuindo sopa e conversando com o pessoal de rua, que, você tão bem sabia, não é melhor nem pior do que a gente: só tem uma história diferente, junto com o azar de viver em um país em que a cidadania não é plena e o capitalismo é realmente selvagem.

Tenho lembrado muito de você por conta da minha amiga Carla, também; ela está morando na sua rua, e mais de uma vez já comentei que vocês teriam se dado tão bem. Contei do seu apê, que conheci nas duas versões: a primeira, um dois quartos sem nada de extraordinário, e a segunda, depois da obra "de recriação", um quarto e sala com cozinha americana espetacular. Contei também da virada que você deu na vida, quando decidiu que ia largar de vez a economia - em que tinha uma carreira extremamente bem-sucedida - para se dedicar à astrologia em tempo integral. Você tinha chegado lá em cima e não gostava do que via. Avisou a todo mundo e saiu, lindamente. Virou um astrólogo bem-sucedido: sua auto-confiança e sua garra em entrar na nova profissão deram mais do que conta do recado. 

Continuo sentindo falta de passar na sua casa para um café, como contei aqui. O texto é de 2013, mas a saudade permanece. Conversar com você era das coisas boas dessa vizinhança e acho que não vou deixar de sentir falta disso nunca. Daí a carta, que não resolve, mas ajuda um pouco.

Quero crer que, aí de onde você está, as comunicações são boas o suficiente pra que chegue a bom porto. Gostaria de saber das suas aventuras do lado de lá também, mas a comunicação pra cá não é tão eficiente. 

Vamos andando aqui, querido. Com alguma dificuldade. Vendo o que dá. Os tempos estão estranhos. Você não ia acreditar. Mesmo quem tá vivendo por aqui tá com dificuldade... mas vamos andando porque não tem outro jeito.

Um beijo grande, até outro dia.
Saudade sempre.
Obrigada por tudo.


Renata




foto daqui.

domingo, 12 de junho de 2016

As Mesmas Pessoas e Uma Nova História

Namorados... é em junho o dia. É hoje. Combina, acho. Fogueira. Friozinho. Bochechas afogueadas de dançar quadrilha. Maçã do amor. Comidinhas de milho. Tudo combina.

Eu gosto. Acho bonitinho. Gosto da ideia de Santo Antônio....  casamenteiro. Gosto de casamentos. Mesmo que não sejam oficiais. Mesmo que não tenha igreja. Cartório. É dos encontros que eu gosto, na real.

Tava lendo outro dia sobre o reencontro da Vanessa Redgrave com o Franco Nero. Coisa mais linda. Se encontraram em "Camelot" - o filme, não o lugar -, ela Guinevere, ele Lancelot: namoraram, tiveram um filho.... se separaram. Aí, várias décadas depois, se reencontraram.

Mesma história? Acho que não. Outra história, com algum sabor conhecido. Deram voltas na espiral do tempo, fizeram caminho. Encontraram outras pessoas. Verdadeiros encontros, não disfarces do "verdadeiro amor".

Tenho um amigo que fez esse caminho também. Depois de vários namoros e casamentos, reencontrou a primeira namorada: e parece que estão muito felizes. Eu o conheci no meio do caminho, e nunca tinha ouvido falar da primeira. Ele era inteiro, então. Paixões inteiras, histórias reais. Casamento, separação, outro casamento.

Agora, reencontrou a primeira namorada: todo o resto foi mentira? Aquele era o verdadeiro, o único, o do destino? Nem sei o que ele acha, ou ela. Mas tenho certeza que muita gente há de dizer isso. Como nos filmes. Como nos romances. O único, o verdadeiro, o predestinado.

Não acredito mesmo. Parece, porém, que o encontro foi gostoso. Está sendo. E, claro, deve ter uma graça em saber de histórias antigas, em lembrar de outras. Em reconhecer um jeito de olhar, um sorriso de canto, os movimentos das mãos. Acredito, sim, que afeto fica e pode ser pra toda vida. Mas não apaga outros amores, não abafa, não desfaz. Aquele tava lá, e podia  ter virado uma lembrança bonita. Aconteceu deles se reencontrarem, de estarem no tempo certo, disponíveis, interessados. Podia não ter acontecido. Um passo aqui, outro passo lá... a coreografia vai se fazendo a cada instante. O desenho completo, a gente só vê depois.

A Vanessa Redgrave e o Franco Nero fizeram um filme juntos que meio que conta essa história de amor perdido e reencontrado: um filme bonitinho e leve, chamado "Cartas Para Julieta". Gostoso de ver, esquecível toda vida. Não consigo deixar de pensar no quanto eles devem ter se divertido nas filmagens....












quarta-feira, 8 de junho de 2016

A primeira vez sem ele

Ela tá indo pra lá e me dá um aperto no peito, como se fosse eu. Ela não foi quando ele se foi, e eu entendi. Não deu. Acho que no lugar dela era capaz de eu não ir também. Ou não. Talvez fosse, pelos abraços. Pelo chorar junto. Já descobri que pra mim é importante o chorar junto. O não precisar explicar, não precisar dizer. Mas ela queria ficar quieta, no canto, e eu entendi.

Agora, vai. Porque lá é seu lugar também, e continua sendo. Porque ele continua lá também, mesmo não estando. Tem a história, a vida vivida, as lembranças dela, deles, de todo mundo que conviveu com ele e que o amou. E olha, era muita gente. Muita gente que o amava e que via que ele não tava bem. Embora não visse tanto. Ele saía, ele conversava, ele ria com a gente: então, como saber o tamanho do frio, a imensidão do escuro, a profundeza do abismo? Não dava. E se desse, não dá pra saber se daria pra ter feito algo.

Talvez não. Porque ficar é escolha. Ir é escolha. Acabei de ler um romance, leve, que trata disso: da escolha e do respeito à escolha. E me lembro, de novo, daquela conversa com tio Sylvio, em que ele me dizia que a gente sempre está sozinho, quando se joga na água gelada; a gente tá sozinho enquanto nada, e o que pode esperar é que tenha alguém com uma toalha felpuda aguardando na margem.
E isso não é certo.
O que é certo é que na água a gente está só.

Meu coração vai com ela. Minha saudade, meus abraços. Meus agradecimentos pela vida vivida. Pela bicicleta emprestada, pelas guerras de travesseiro, pelas brincadeiras, pelas risadas tantas. Pela encheção de saco, pelas discussões intermináveis. Pelo frio na barriga às vezes. Pela dança junto. Pelo olhar de lado.
Valeu, mermão.
A gente se encontra lá.
Por enquanto, mando meu coração com ela.

Com orgulho e com saudade.