Eu queria ter os olhos dela. Aqueles olhos claros, verdes com um miolo acastanhado. Os olhos mais lindos.
Ela não era dessas avós que botam no colo, que deixam fazer tudo, que fazem cafuné: esse, o do colo, do cafuné, das histórias na rede, dos sonhos, era meu avô. Ela era do fazer ariano: biscoitos, comida, roupas. Uma forma de mostrar afeto no concreto, com a mão na massa. E severa: eu tinha respeito e um pouco de medo, embora ela jamais levantasse a voz - nem pra mim, nem pra ninguém. No máximo, me cutucava quando eu e meu avô - tão parecidos - nos excedíamos nas discussões. Não ficava bem para uma moça.
Meu avô falando dela: amor e admiração infinitos. Ele sabia que, sem ela, não haveria casa, não haveria filhos criados, não haveria…. Condições materiais. Ela organizava, cuidava, alimentava.
Eu lhe sabia prazeres, sendo o maior de todos o mar. O mar pra olhar, o mar pra tomar banho. Quisesse ver Dona Maria feliz, era ir com ela para a beira-mar.
Teve um tempo em que eles moraram em Jampa, naquela casa que só eu conheci. Uma casa grande, de terrenão, redes na varanda (essas em que eu deitava com meu avô a contar histórias), e porteira direto pra areia. Olha a maravilha. Todo dia, durante aquelas férias, a gente ia tomar banho de mar antes do café da manhã.
E o café da manhã… era aquele, sabem. Aquele café da manhã que só tem no Nordeste, com banana comprida, cuscuz, queijo de coalho, tapioca, cará, macaxeira…. Era uma refeição de responsa o café da manhã da minha avó.
Tanto que o primeiro sintoma da doença insidiosa que ia lhe levar as lembranças foi justamente aquele dia (e era eu quem estava lá, de novo) em que ela disse que não iria fazer o café da manhã. “O pessoal do hotel vai trazer”, ela disse. E eu entendi. Aquela casa, sem meu avô, não era mais a dela: ela não reconhecia, estava faltando aquele que a fazia chamar qualquer casa de casa. “Por onde for, quero ser seu par”. Minha avó, com meu avô. Minha avó e o vazio deixado pelo meu avô.
Dona Maria. Saudades, Dona Maria.
Eu, minha avó, o vento, Meteora |