quinta-feira, 30 de agosto de 2012

Meu canto de Sampa

Tô em Sampa. Vim por motivos variegados, mas o que me puxou foi saber que a Fal do Drops ia dar uma oficina de escrita em blogs, ontem à noite - e eu podia - , na Av. Ipiranga, perto da praça da República -  e eu sabia chegar,

[pausa pra dizer que sou geograficamente prejudicada e o "eu sabia chegar" é muitíssimo importante, embora possa não parecer. O "sei chegar"e "não sei chegar" determinam mais coisas na minha vida do que sonha vossa vã filosofia.]

A noite de ontem foi maravilhosa, a oficina regida pela Fal (e a palavra que me vem é bem essa, a Fal com sua batuta regendo a orquestra de boquiabertos que éramos nós, encantados com o fio da meada que ela puxa tão lindamente que até parece natural) eu não cansarei de recomendar ... e por conta da oficina devo dizer que, duas coisas: tô tomando vergonha e "cuidando" do meu blog daqui mesmo de Sampa, como vocês podem ver; e vou parar de enrolar e finalmente botar um blogroll aqui. O motivo de não ter feito isso ainda é: não sei como faz e demoro pra aprender. Tenho blog há um ano, que ganhei de presente de aniversário da Cacá (que me conhece mais do que eu pensava....), e aprendo qualquer coisa muito devagar. Isso também não parece, porque normalmente aprendo quietamente, calada. Treino em casa, com a porta fechada. Aí, quando acontece o movimento "pra fora", é porque eu já estou segura de que sei, e parece que sou muito rápida e eficiente. Mentira. Sou é dissimulada. Mas a Fal me ensinou ontem que é meio falta de educação não ter blogroll - inda mais no meu caso, eu que fui tanto tempo visitante assídua de blogs alheios.

Mas o título do post é "meu canto de Sampa": vamos a ele. Sou uma pessoa desgarrada, gerada-na-Argélia-nascida-em-Sampa-criada-meio-no-Rio-meio-em-Genebra-filha-de-pernambucanos. Pernambucanos nômades. Por conta disso, aprendi cedo a criar cantos: meus cantos nas cidades por onde passo. São Paulo, onde as tias Sônia e Pilar moraram boa parte da vida, onde os avós Lins viveram certo tempo, sempre esteve na jogada.

 Não sou paulista em nenhum sentido que faça sentido, apesar de ter nascido na Maternidade São Paulo (como a Fal, a Camila e nem vou contar quem mais). Apesar disso, tenho, há muito, um canto em Sampa: aqui. Perto de onde foi a oficina da Fal. Do lado da Praça da República. Ando pela Barão de Itapetininga e a Sete de Abril como se reencontrasse velhas conhecidas: "olha, aquele restaurante virou chique... aquele café não tem mais... a "minha" farmácia continua igual".... vou à livraria italiana, à livraria francesa. Será que a pequenininha, inglesa, ainda existe? O sebo grandão que tinha perto da praça eu sei que fechou. Caminho, tenho meus trajetos, meus pontos de parada. Tô em casa. É meu canto. Me reconheço aqui. Tô acolhida.

E, porque a oficina da Fal era no meu canto em Sampa, vim feliz. Entendi como um aviso do anjo da guarda: tá tudo aí, você decifra se quiser. Os anjos da guarda, como é de amplo conhecimento, não conversam com a gente: mas indicam. É só prestar atenção.






sábado, 25 de agosto de 2012

Feminices



Primeiro um pó solto - como se fosse uma preparação de tela. Não dá pra usar base líquida: meu rosto de ascendente áries é quente e eu era capaz de suar. Base líquida: só em terras frias.

Depois os olhos: lápis, preto e marrom. Fazendo o contorno por baixo, sem chegar até o canto interno. Às vezes, também o contorno por cima - só no finalzinho, perto do canto externo. A sombra não tem muita hora, vem antes ou depois. (não, isso não é um tutorial. Nota mental: aprender com a Camila a não usar tantas reticências). É assim de "cor da pele" pra lá: moreno, queimado, castanho. Uma clara pra dar uma iluminada: bem no meio da pálpebra. Às vezes, bem às vezes, passo um iluminador por baixo do olho, pra realçar. E rímel, habilidade e gosto adquiridos há bem pouco tempo. 

Enfim. Os olhos são fundamentais. Pelo menos por aqui.

Batom: contorno a lápis (marrom) ou com um batom mais escuro (marrom também). Não uso batom vermelho: só nesses tons aí de marrom. Não é que eu não goste: acho que fica incrível em outras pessoas. Em mim, só se misturar com café, com chocolate. Não dá pra ser vermelhão que fica esquisito.
Voltando: batom - contorno mais escuro, preenchimento mais claro (desde um tipo nude até o "cor de boca" mesmo, ou um "cor de boca de alguém mais moreno do que eu". Se é que vocês me entendem.).

Às vezes, faço uma "boca de Emília" no meio, com o batom mais escuro: dá uma esculpida na boca, dá relevo. Fica bem bom. Por cima, um dourado, muitas vezes. Acabamento.

No fim, mais um pó, pra uniformizar. E uma borrifada de soro ou água mineral em certos dias: dá maior fluidez ao conjunto.

Resultado - como diz minha irmã: quase não se vê. Mas era esse mesmo o propósito. ;)





domingo, 19 de agosto de 2012

Amores e livros policiais





Sou dessas criaturas que amam histórias de amor e livros policiais. Tudo junto e misturado. Aí, outro dia em que tava num "buraco" de espera, fiquei viajando sobre isso: o que é necessário para escrever uma história de amor. Pensei umas coisas, enquanto esperava o João na fisioterapia: meio desordenadas, impressionistas. Certamente nada que de fato "valha a pena". Só uma maneira de passar o tempo. Mas é assim, né? O blog é meu e eu escrevo o que eu quiser? Então lá vai.

Como num livro policial, os personagens são fundamentais - ao contrário, por exemplo, das histórias de espionagem, onde a trama e a ação é que são relevantes. Por isso, aliás, é que não gosto de livros de espionagem: eu gosto é de gente, e ali os personagens muitas vezes não passam de esboços. Quanta diferença do Nero Wolfe, do Lord Peter Wimsey, do Dalgliesh da P.D. James, do inspetor Rebus do Ian Rankin. 

Um obstáculo é necessário para estruturar a história: e os exemplos clássicos que me ocorrem são Romeu e Julieta, Tristão e Isolda. Nessas duas, o obstáculo é externo; eu, de minha parte, tenho certa preferência pelas histórias de amor em que o obstáculo que impede a realização plena do sentimento amoroso vem de dentro de um ou dos dois personagens. Quando o impulso amoroso é bloqueado pela própria moral, pelos próprios limites dos envolvidos. Como acontece, por exemplo, com Paulo, em Lucíola, de José de Alencar (que eu li primeiro do que a Dama das Camélias, e por isso é minha referência). Ou no caso da paixão do português Jerônimo por Rita Baiana, no Cortiço de Aluísio Azevedo. O amor contra a vontade de Eugênio por Olívia em Olhai os Lírios do Campo, de Érico Veríssimo.

Desses é que gosto, e aí é que encontra semelhança livros de amor/ livros policiais. Eros e Tanatos, sensualidade e pulsão de morte, domínios de Touro e Escorpião. Nesses casos, a paixão contra os limites internos não deixa de ser uma forma de assassinato: assassinato de moral. De bons costumes. De idéias feitas. Rompimento com aquilo em que se foi levado a acreditar e a aceitar como necessário - pela família, pela educação, pelo meio em que se vive. Luta interna, disputa de espaço entre o eu-luz e o eu-sombra. Culpa, dores, mortificações. Mortes. Mortes de velhos eus.

Sei lá. Achei que tinha a ver.






sábado, 18 de agosto de 2012

Minha mãe-borboleta





Minha mãe-borboleta é um termo que cunhei há alguns anos, quando tava tentando explicar minha mãe na aula de astrologia da Martha Pires, para o Jayme, a Míriam e alguns outros. E nunca deixei de chamá-la assim em pensamento. Isso porque "borboleta" diz bem como eu a vejo. A borboleta tem a qualidade da boniteza, colorida, exótica, leve. Minha mãe sempre foi muito bonita, e essa boniteza sempre fez parte da vida. A gente via como meu pai olhava pra ela e acho que ele sempre se admirou, no fundo, de ter conseguido ficar com aquela tão bonita...

A borboleta borboleteia, e assim vive minha mãe. Borboleteando pelo mundo. Eu digo pro Felipe: "a menor distância entre dois pontos é uma reta, mas não para a sua avó... então, ela chega, a gente só não sabe quando".... porque, é claro, a distância menor é muitas vezes a mais sem graça. Quem sabe o que a espera na volta, na curva, no desvio que é na verdade uma nova conquista, um novo sabor, um novo olhar, novas pequenas aventuras, que fazem do dia-a-dia algo sempre cheio de graça....


E graça também tem minha mãe-borboleta, graça de transbordar. Primeiro graça de humor, ela é uma pessoa engraçada naturalmente, e a brincadeira, o jogo de palavras, é sempre uma boa opção pra ser ouvido e entendido por ela. Mas a graça mais importante é aquela que também é mais profunda e por isso mais difícil de explicar: é aquela qualidade meio mágica, de tornar tudo interessante, divertido... a gente podia ter que fazer gato de luz no corredor, mas era pra desenhar sombras. Se meu pai ia chegar, que tal montar uma surpresa pra ele? Fazer desenhos, botar nas paredes, pensar algo que fizesse com que ele se sentisse acolhido, esperado, recebido...? E isso é com todo mundo, o toque mágico tá lá sempre, e por isso a casa dela é um lugar meio encantado, onde faz bom (essa é em homenagem ao Ondjaki) se reunir, inventar uma comida, tocar um violão, ligar pros amigos.... sempre tem lugar pra mais um. Maxime Le Forestier conta: "on se retrouve ensemble/ après des années de route/ et on vient s'asseoir/ autour du repas/ tout le monde est là/ à sept heures du soir..." (bom, essa parte das sete horas não é bem, bem assim... mas o que conta aqui, como vocês já entenderam, é o tempo afeto, não o tempo do relógio. São essas sete horas aí...)


Um dia meu filho Felipe, em um sarau desses, olhou com aqueles olhos pretos de absorver tudo e sentenciou: "quando eu ficar velho, quero ser como a minha avó". E eu concordei com ele, que alegria ser essa pessoa adolescente com mais de sessenta anos, viver a vida borboleteando e achando graça em pequenas coisas...


É claro que isso tudo traz em seu bojo algumas dificuldades, às vezes grandes. Uma delas é a dificuldade de marcar: marcar hora, marcar compromisso. Como pode uma borboleta ter hora pra chegar? E as flores que ela ainda não viu, onde ela ainda não pousou...? A capacidade da minha mãe de chegar fora de hora (atrasado não é uma boa palavra) nunca deixa de surpreender. A última vez foi no dia da eleição, em que, tendo combinado de votar comigo e com Marcelo no Fluminense, ela conseguiu chegar uns 40 minutos depois da hora marcada... e sempre cheia de explicações: claro, os meninos tinham dormido lá, tinha tanta coisa pra fazer, tinha que.... mas a verdade (e se ela olhar bem, bem pra dentro há de reconhecer o que estou dizendo) é que ela não lida bem com compromissos que envolvam hora (nenhuma borboleta lida, deve-se dizer. Nisso elas estão todas de acordo: esse negócio de hora não tá com nada...).


Tenho também que contar pra vocês a outra dificuldade bem grande: é a comunicação entre a gente. Astrologicamente, nossas formas de se comunicar são opostas - e complementares. Quer dizer que se a gente estiver abertas, as duas, a comunicação passa a ser um ponto forte, a gente constrói castelos, se diverte e bola coisas incríveis, quase brincando. Mas normalmente, essa sintonia tão delicada não acontece. E a gente se machuca, sempre. Ela me acha agressiva, briguenta. Eu a acho geladamente cortante, venenosa, maledicente. Isso porque se a gente for descrever um gruyère, eu vou falar da massa do queijo e ela vai falar dos buracos. Tá tudo ali, mas o olhar é outro. E é difícil se comunicar. Minha irmã libriana como ela, meu irmão de mercúrio (comunicação) em gêmeos (signo do ascendente dela) são muito melhores. A tal ponto que às vezes sugiro a um deles dizer a minha mãe algo que eu gostaria de dizer, mas que eu sei que se for eu, ela não vai ouvir. Tem dado bastante certo....


Mas o que eu queria dizer mesmo, com esse circunlóquio todo que fala também da minha timidez ao dizer coisas tão graves e tão delicadas, é o quanto eu admiro e sempre admirei minha mãe-borboleta. Mesmo com todo o estranhamento que existe quando a gente encontra o diferente. Mesmo com toda a dificuldade que isso implica na comunicação do dia-a-dia. É isso: sou muito orgulhosa da minha mãe-borboleta, e às vezes penso que ela não se dá conta do quanto. Do quanto eu sei da coragem dela ao encarar a ausência do marido nômade e os três filhos em terras estrangeiras. Do sacrifício que eu sei que foi ela deixar de fazer uma carreira própria pra ser a companheira do meu pai. A grande companheira. A que tornava cada casa "a casinha de nós", com os amigos, as comidas, o violão.
E nesse fim de ano, quase começo de outro, eu precisava contar isso. A vocês e a ela.




segunda-feira, 13 de agosto de 2012

Sobre Vênus e Lua - impressões


E foram virando peixes
virando conchas
virando seixos 
virando areia 
 prateada areia
com lua cheia
e à beira-mar
(Chico Buarque, "Mar e Lua")



Vênus e lua. Afrodite e Selene. A relação entre Vênus e lua, no mapa de cada um. Os dois significantes femininos por excelência: como é que eles se conectam, pra você? Qual é o sentido conjunto que fazem? São harmoniosos? São conflituosos?

Vênus, a deusa do amor e da beleza. Dos prazeres, do senso estético. Vênus no mapa: sedução, paixão, modelo de feminino. Por que tipo de mulher você se apaixona, o que é que te encanta, quem é que você acha bonita. Qual é sua relação com o prazer, com a sensualidade. Com os sentidos. Que cores, que formas, que gostos, que cheiros. Vênus em Áries? Mulheres ousadas, corajosas, que desafiam, que vão à luta. Vênus em Câncer? As que acarinham, que cuidam, que dão colo. Em Libra? elegantes, precisas, diplomáticas. Harmonia nos tons e no tom. Já em Escorpião ... sombrias, misteriosas, feiticeiras. 

A lua fala da história com a mãe, com o sentido do materno. Do que entendemos por intimidade, onde é que nos sentimos confortáveis. Qual é o colo que buscamos, e o que damos. Onde é que a gente chora. Onde é que a gente relaxa e se deixa ser simplesmente. Qual é a raiz que explica isso tudo. Deixando claro que não se está falando do que a mãe "é" de verdade: a "mãe do mapa" é nosso canal para recebê-la. Como é que a gente viu, percebeu, apreendeu essa mãe. O que a gente guardou dela, ou de quem a representou na nossa vida. Assim, para uma pessoa de lua em Áries, a mãe era aquela que a jogava na água pra aprender a nadar. Que a desafiava. Nada está dado para alguém com lua em áries. E assim será essa pessoa como mãe também. Colo? Decerto. Conforto? Como não. Dirá ao filho: "Vai. Se joga. Se precisar, tem mertiolate. Tem band-aid. Mas experimenta. Encara". E assim será sua noção de intimidade e seu conforto: na intimidade, confronto. Gargalhadas, também. Áries é fogo. Já a lua em Libra poderia estar na capa da Vogue, a qualquer momento. Mesmo na intimidade, não se descabela: é fina, é contida. É na conversa de fala pausada e de argumentos rebuscados que os assuntos se resolvem. Em Escorpião, a lua dói um pouco. O mapa de alguém que tem lua em Escorpião conta de falta. De uma mãe intensa, que fazia e exalava sexo, algo tão doloroso de admitir para uma criança. Há que aprender a lidar com isso. A lua em Câncer, por sua vez, está em casa. "Avental todo sujo de ovo"... diz a canção. Faz bolo, dá colo, cafuné. Que delícia a lua em Câncer. Devagarzinho, baixinho, todos os segredos podem ser contados. E ali estarão a salvo.

A relação Lua-Vênus mostra, então, como é a síntese do feminino em suas duas facetas mais importantes, para cada pessoa. Lua e Vênus em conjunção? Tesão da intimidade. A mistura dá aquele efeito "me apaixonei pelo meu melhor amigo". Ou transforma o ser amado em amigo. Porque intimidade e paixão vão juntas e têm a mesma cara. 
Em trígono, aspecto harmonioso, não têm a mesma cara, mas combinam bem. São feitas da mesma substância. Uma lua em Virgem compartilha com Vênus em Touro, por exemplo, qualidades terrenas de segurança, estabilidade, concretude, realismo, enquanto a lua em gêmeos e Vênus em Aquário têm em comum características associadas ao elemento ar: leves, circulam agilmente pelos caminhos das idéias e dos ideais, das utopias e das estruturas mentais. 
Já nos mapas que têm aspectos ditos "difíceis" (quadratura, oposição) entre Lua e Vênus, há um conflito entre as duas imagens de feminino. O que se entende por intimidade e aconchego não combina com o que atrai ou como se seduz. No limite, trata-se aqui daquele velho contraponto entre "mulher pra trepar x mulher pra casar", ou da idéia de que a esposa não pode ser amante, nem a amante esposa.Isso, repetindo, é no limite: para ajudar a destrinchar do que é que se está falando. Em todo caso, o conflito existe, e é bom que seja conhecido. Para que se possa lidar com ele. Entender de onde vem a dificuldade em misturar sexo e intimidade. Ou como é que se perde o tesão depois que o misterioso sedutor vira conhecido e próximo. 

Entender, traduzir, olhar, virar pelo avesso. Descobrir se é isso mesmo. Ou não. 









quinta-feira, 2 de agosto de 2012

Assuntos de Casa VIII

Sou leitora da Folhinha. É, a Folhinha. Do Sagrado Coração de Jesus. Meu avô comprava para todos os (oito) filhos, e minha mãe assumiu essa função. Compra pros irmãos, pra sobrinhos, pros filhos. E eu leio. À noite, antes de dormir. Uma preciosidade. Um almanaque descartável. Me diz as fases da lua. O nome dos santos do dia. As frutas e os legumes de cada época. Dá dicas de alimentação. De vida. Tem reflexões no verso da folhinha de cada dia.  Na folhinha aprendi tanta coisa - por exemplo, que Tiago e Jacó são o mesmo nome: de Jacob ou Iacob para Iago para Santiago ou Santo Iago, para San Tiago...  onde mais?


Foi na folhinha que li o seguinte texto, atribuído ao poeta Khalil Gibran: "O sofrimento nada mais é do que a dor que envolvia teu entendimento se quebrando".
Sei esse de cor. Preguei na cortiça perto do telefone, numa época em que havia cortiças e os telefones "ficavam" em algum lugar. Vocês não conhecem, mas já houve isso. A gente é que ia até o telefone. Enfim. Botei ali porque ali eu via todo dia, e quanto mais eu visse, lesse, repetisse como um mantra, quem sabe... quem sabe eu incorporava. Quem sabe aquilo passava a fazer parte de mim e parava de doer. 

"Se o Jayminho passou, tudo passa", diz uma amiga minha. E incorporei essa também. Substitua o nome pelo de sua preferência. Uso em ocasiões variadas, para falar de assuntos diversos. Ajuda. Acalma. Afinal, se até o Jayminho passou...

Aí que o tema aqui é esse: a hora de largar mão. De desapegar. De deixar ir. Como diz o Khalil Gibran, dói porque a gente passa a entender algo que já tava ali, e que a gente fechava os olhos para não ver. De olhos fechados, os monstros são maiores. Na hora em que a gente abre, taí. Dói. É pauleira. Mas aí a gente já tá em movimento. Saiu da crispação. Da tentativa de cristalização de algo que já não era, que já não tava. Dói e pode doer pra cacete, mas dá um certo alívio também. Tem tamanho. Tem contornos. Enquanto a gente tá de olhos fechados, na modalidade "se eu não tô vendo não existe", aquilo que a gente não tá vendo - mas no fundo sabe que existe - tá em todas as partes. Envolve. Ameaça por todos os lados. Quando a gente abre os olhos, dói mais - mas já tá, de certa forma, posto que tá doendo menos. Porque, como diz o Ionesco, "o que tem que acabar já acabou". 

Como quando a gente tá numa árvore: num galho lá em cima. E de repente, os pés se soltam. A gente fica pendurada, só pelas mãos. Num galho tão alto. Que susto. Que medo. E agora? Agora, amigo, não tem jeito. A árvore já se desapegou da gente: é hora da gente se desapegar da árvore. Soltar. Deixar o galho e se deixar cair. A árvore já era. É no chão que continua.