Natal. Em flashes.
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O Natal do primeiro ano na Europa: Chamrousse, muita neve. Sensação de estar "acima das nuvens". Tio Sylvio e tia Bel, Clarissa e Gui. Eu com a camisola nova e rosa que ganhei de mamãe. Uma árvore de Natal feita de fios dourados, na parede. Tudo novo. Tudo frio, nariz e bochechas gelados. Primeiras aulas de esqui. Gui e Clarissa: nossos guias. Um Natal quentinho de família, malgrado o frio lá fora. (obs: o "malgrado é homenagem a tio Sylvio, que usava a palavra. Poster no banheiro da casa dele: um vaso sanitário, com rosas dentro. E, na letra dele: "Mas como fede, malgrado as rosas!").
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Natal em Les Haudères: Natal de exilados e desgarrados. E os filhos: Claudia e Flávio; Zuza, Armando e Andréa. Daniel filho do Betinho (foi em Les Haudères que o conheci, levado por Marcos Arruda). Flávia e Joca que só participaram do Ano Novo, porque fizeram Natal-família em separado. Lysâneas fazendo fala ecumênica, num silêncio solidário e respeitoso. Jogos de mímica de filmes e livros: pela primeira vez. Adultos e crianças jogando juntos. Tem uns nomes que ali aprendi, sem conhecer o original: lembro de "Pai Patrão", de "O Salário do Medo". Esse o universo. E a gente fazia a mímica, pelas palavras. Dava certo e os times misturados (crianças e adultos) competiam de verdade. Cada vitória era comemorada como se não houvesse amanhã. Que talvez não houvesse.
Mais esqui. Esqui, sempre.
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O primeiro Natal da volta: na casa de Gilberto Freyre. Foi linda a intenção de tia Sônia, mas foi um Natal sofrido. Só eu e os irmãos, já que meus pais ainda tavam arrumando as caixas lá em Genebra. Me lembro de uma senhora perguntando "quem são esses?" e do frio que isso me deu no coração. Lembro da dor da saudade e do estranhamento completo, nesse Natal diferente de tudo. Natal de estrangeiro no Recife. Ainda era cedo demais.
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O Natal mais surreal de todos: o do ano em que John Lennon morreu. E sei que era esse o ano porque o "Então é Natal" com recitativo em português ocupava todas as trilhas sonoras. Invadia os ambientes mais reservados. E, no dia 24, meus pais ficaram no hospital. Meu avô tava lá e a gente já sabia que ele não ia sair. Vovô Lins, minha paixão. Eu brincava dizendo que tinha "complexo de pai de Édipo". Vovô Lins, taurino e briguento como eu: quando ele morreu, eu pensei "ninguém mais me entende nessa família". (desculpa, gente: mas eu pensei isso e até escrevi). Lembro do abraço apertado que papai me deu no hospital. Lembro de dizer a ele "só acaba quando acabou". Mas ele não tinha nenhuma esperança mais. A gente - eu e Marcelo, acho - passou a noite de Natal com amigos dos meus primos Paulinho e Elizabeth (primos Pimentel: não era o avô deles). Conversas surreais. Será que isso foi mesmo no dia 24? ou foi no 25, quando a gente já sabia que vovô tinha morrido?
Em todo caso, não consigo ouvir o John Lennon sem que a atmosfera daquele ano volte inteirinha. Intacta.
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Natal de 2004. O primeiro sem papai. Como é duro passar o Natal sem papai. Ainda mais o primeiro.
Mas continua. A ausência dele preenche saudades e abre vazios. Mesmo quando a gente nem fala disso.
Pai, um beijo.
E até amanhã.
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Natal-hoje/ontem. D. Helena - muita saudade. Seu Antônio: todo o carinho. Tia Sônia: no presente.
Os meninos tão crescendo lindos. Os cinco meninos e a única menina: netos dos meus pais. Felipe, João, Maria, Antônio, Chico, Joca. Na ordem. De dezoito a quatro anos. Lindos e amorosos. E é bom de ver a alegria que eles têm de estar juntos. De festejar juntos.
Viva. Viva. Viva.
Então é Natal, e alguma coisa certa a gente tá fazendo.
Amor a todos os envolvidos.