quarta-feira, 17 de outubro de 2012

Geograficamente Prejudicada



Cunhei esse termo na onda dos outros "prejudicados" da nomenclatura moderna. Mas me entendo com ele. E me define.

Sou alguém de inteligência bastante razoável: leio muito e rápido, entendo e traduzo conceitos variados. No quesito orientação geográfica, no entanto, perco todas. Sou provavelmente a pessoa que mais fez "footing" (a bênção, vovô) em volta do teatro de arena da Praia Vermelha, onde se situa a faculdade de economia (atual IE/UFRJ) em que fiz graduação, mestrado e os créditos do doutorado. E pensando: "numa esquina tem o bar do Seu Antônio, então ali é a biblioteca; o banheiro feminino é aqui, então do outro lado é a sala do Galeno... o Possas fica do lado de cá, então logo ali é o David e a Esther". Pensando, galera. Mas já aprendi isso também: se pensar é pior.

Astrologicamente, o planeta mais elevado do meu mapa é Netuno - deus das brumas, da confusão, do esgarçamento e das ilusões. Netuno opõe-se a Sol, Mercúrio, Marte no meu mapa. Muito forte Netuno. Em Escorpião, de águas, tirando meu taurino e terreno chão. A matéria-vida da qual sou feita inclui Netuno dos sonhos (e pesadelos), da imaginação solta e desbragada, do "abrir das brumas" dos loucos e dos iluminados. Amo Netuno. Mas temo-o também.

Se eu entrar no metrô em outra entrada do que a habitual, pego pro lado errado: nem pisco, dou um leve suspiro e salto na próxima pra voltar. Tantas, tantas vezes. Andando na rua, às vezes, "me perco" dentro de mim: num segundo, olho em volta e não sei mais. Pra onde ia, pra onde vou. Paro, respiro, fecho e abro os olhos: lentamente, tudo volta ao seu lugar. Mas o fio é tênue.

Digo isso sempre - que sou geograficamente prejudicada. E, claro, pouca gente se toca ou entende. Quem mora comigo sabe: sou fã e usuária habitual de mapas. Não mapas de cidades estranhas: mapa do Rio, onde moro há trinta e três anos. Hoje em dia fica mais fácil: guglo e vejo - pra onde vou, onde pego condução, onde salto.
Talvez seja por isso que eu não dirijo: tirei carteira - e sem comprar, numa época onde isso era um feito não desprezível - , mas esta está guardada sem nunca ter sido usada. Ganhei um carro com dezenove, que foi roubado na sequência (meu irmão, que não tinha carteira, estava dirigindo) e que estava com o seguro a descoberto, devido a um malentendido ligado a eufemismos da seguradora. Netuno me avisava, já então. 

Tenho ótima visão espacial, quando se trata de pequenos espaços e de formas: sempre fui aluna top em geometria, desenho em "3 D" desde muito antes dos meus amiguinhos de escola, sei, num olhar, se um móvel cabe ou não cabe, como é melhor rearrumar o espaço. O problema é geográfico. Não tenho nenhuma idéia sobre isso, não sei deduzir caminhos ou roteiros a partir das informações que já possuo. 

Por muito tempo tive vergonha disso: mas o tempo é senhor da razão, e uma das liberdades que me deu foi a de aceitar e acolher meus limites. Aprendo caminhos. Mas não entendo, não imagino, não sintetizo. Não faz parte de mim. Fazer o quê. Tenho outras qualidades. Quanto a essa falta, aprendi a viver com ela. Me adaptei. Uso muletas. Mapas, guias. Pergunto sem pejo. Tá tudo certo. Só não posso fazer de conta que a deficiência geográfica não existe: respeito com Netuno.





14 comentários:

  1. Eu me perco. Tudo ficou mais fácil na minha vida quando eu aceitei. É simples assim: sou uma perdida.

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    1. sim, é esse meu processo. O "nomear" já foi o começo: me aceitar como perdida. ("solta na vida, e sob medida... " não, isso é outra coisa). E, perdidamente, me acho: vou, flutuando, para lugares onde não ia, e que no entanto me servem como luva. A bênção, Poseidon!

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    2. ahahah, era perdida assim também, ao som do Buarque ;-)

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  2. Ah, Renata, em tempos de GPS você pode dirigir, sim. Não tem erro. Pergunta à Luciana Nepomuceno se não foi facílimo levá-la ao aeroporto de Floripa, onde moro há 13 anos. ;-)

    Já fui convidada para almoço com galera e cheguei na hora da sobremesa. Enquanto todo mundo comia junto,eu rodava pelos bairros vizinhos, perdida para sempre.

    Te entendo tanto.

    bj
    rita

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    1. Posso não, Rita. Isso eu já abandonei mesmo. Porque no Rio não precisa. Vivo bem sem isso. E eu ia ter que entrar na selva dos motoristas: me dá medo.
      E olha: tempo não é problema, viu? Eu chego. O problema é me organizar com antecedência. Olhar o mapa.
      Fico tão feliz quando consigo explicar pra alguém como chega em algum lugar... cês nem sabem. :)

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  3. Pra mim, orientação geográfica é um desafio. Não vem naturalmente, não é dom, é um troço difícil, às vezes sofrido. Não lido nada bem com esse troço de me perder - quando me perco, acabo também perdendo completamente a cabeça, saindo do sério.

    Assim, passei a fazer esforço. Esforço pra memorizar. Exercícios. Desafios. Se não vem naturalmente, tem que vir de algum jeito. Os mapas ajudam muito, e tento sempre memorizá-los - a memória visual é boa, ajuda. Quando preciso me achar, mentalizo o mapa. Enxergo na cabeça os nomes das ruas, os cruzamento. Se não errar na direção (e aí não há mapa que ajude, quando muito o GPS), acabo me achando.

    Por isso, quando fui comprar um celular, meu primeiro requisito foi: tem que ter gps. E como já me salvou, o bichinho.

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    1. sim, memória visual aqui é boa também. E sei lá por que, não vi esses comentários na época... sempre é tempo, né? Beijo!

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  4. seus textos são mesmo deliciosos de ler! beijo grande

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  5. Meu apelido em Paris era GPS, porque eu sempre sabia onde estávamos e para onde íamos. Minha tchurma brasileira conta que uma vez se perdeu de madrugada sem mim. Mas no meu caso é talento e trabalho: lá em Paris eu sempre pesquisava mais ou menos onde íamos, o que havia por perto e, principalmente, onde passava o ônibus noturno. Ainda assim me perdi lá um vez, dirigindo, chovendo, criança chorando no carro, e foi bem traumático.
    Aqui Daniel já entendeu que toda vez que ele pergunta "mas não era pra lá?", ele tá errado. Nem sempre eu sei onde eu estou. Mas se eu afirmar categoricamente que sei, a chance de eu estar enganada é mínima. Nem discuta.

    Eu sei, sou muito chata e ninguém vai querer ser minha amiga mais.

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    1. Sim, eu pesquiso e tal. Se eu não fizer, sem chance... adoro andar com gente como você, mas aí ferrou, porque aí é que eu não vou saber mesmo...
      beijo!

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  6. Orientação 2d para mim é fácil, mas qualquer coisa 3d para mim é impossível (saber se o móvel cabe eu consigo pq transformo em vários problemas 2d). Eu lembro que qdo era adolescente fiz 1 monte de testes de inteligência no colégio e a minha inteligência espacial era menos da metade de qq outra. Muito triste.
    Beijos,

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    1. Que coisa... mas deve dar pra exercitar, né? Como qualquer outra... (digo eu, que nunca consegui exercitar a orientação geográfica.) Beijo!

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