segunda-feira, 29 de agosto de 2011

Cuidando de meninos - uma arte delicada

Fiquei tanto tempo sem escrever. Vida muito dura aqui fora, texto tava difícil de sair. Mas hoje vai um pequeno.
Eu queria era falar dos meninos. Da educação de meninos. E isso se conecta diretamente com as violências sutis já mencionadas.
Ah, como é difícil. Lembro da Flavia Castro adolescente, no lindo "Diário de uma Busca" (sobre o qual ainda vou escrever, mas tô respirando para), dizendo que não queria voltar para o Brasil e que os homens aqui eram muito machistas.
Não só os homens, Flavinha. O mundo aqui é muito machista.
Eu, mãe de meninos, me deparo tão frequentemente com a reprovação de mulheres: "você vai deixar ele levar o prato? É tão pequenininho"... "ah, deixa que eu faço pra ele".... "menos, Renata, menos".

Sou muito feliz com os meninos: tão se tornando pessoas legais, acho. Olham pro outro. Escutam. Tentam entender.
As pessoas notam e acham que eles brotaram assim. Engraçado. Não brotaram. Eles têm suas qualidades. Mas eu educo, todo dia, toda hora. E reivindico minha parte nisso. Com força. Porque enquanto as pessoas acharem que meus filhos são legais porque brotaram assim, não se discutirá o fundamental: a parte que a educação - e aqui falo de educação "sutil", ou seja, de cultura familiar, conversas e exemplos - tem nisso.
Quando o João tinha uns 4 ou 5 anos comprei pra ele lindo livrinho (sugerido, aliás, pela Flavia) dos pinguins Gus e Waldo, que vivem história de amor. Lindo mesmo o livro. Desenhos incríveis, e uma historinha delicada.
Fui reprovada por quase 100% do mundo.
Fiquei chocada, juro.
Agora circula pelas redes uma conversa de "se você for a favor dos direitos homossexuais seu filho não se tornará gay", uma palavra de ordem. Isso é fácil de colar no mural, galera. Quero ver vocês darem o livrinho pros seus filhos pequenos. Quero ver vocês me deixarem dar panelinhas de presente para um menino que gosta delas. Quero ver vocês, como uma amiga minha de coragem, deixarem os meninos brincarem de Barbie.

Porque é aí que começa tudo: as meninas sonham com vestidos de princesas e com o beijo do príncipe. Os meninos...tadinhos. Dão pra eles bolas, armas, carros. Carros. Caraca. Que coisa mais sem graça. Eu acho. Armas. Aqui em casa era vetado. Mas é comum, né. Bolas. Ok. Mas porque não cordas de pular, elásticos? Porque não bonecas? Tantos meninos gostam de bonecas. É tão legal brincar disso. Cuidar. Botar no colo. Fazer carinho. Isso sim é educar um menino pra ele não ser machista. Pra ser um pai bacana. Pra ser feliz como ele quiser ser.
Quando Felipe tava crescendo, eu vi o assédio que ele sofria: os homens só se aproximavam dele com "brincadeiras de homem" - socos ou futebol. Pro meu filho lindo e artista. Que gostava (e gosta) de ler e de desenhar. Que contava histórias tão lindamente. Eu vi o desconforto de tantos homens com o menino que não era "padrão". E fiquei chocada, de novo. 
Felipe cresceu, e continua gostando de artes, gostando de ler. Gosta, também, de outras coisas, "de menino". João tá crescendo, e agora é que está começando a gostar dos livros. Gosta de desenhar, apesar de se sentir meio oprimido pelos desenhos incríveis do irmão. Mas isso passa. Gosta de futebol. E gosta também, tanto, de bebês.
(todos dois gostam de novelas, devo dizer. Eu, noveleira desde sempre, criei companhia pra assistir comigo. Novelas são também ótimo espaço para discussão de temas espinhosos. E já usei várias vezes. A gente aproveita a cena e comenta. Melhor do que tirar o assunto do nada).
Tomara que eles sejam felizes; claro, a gente sempre deseja. Mas ser feliz é movimento: não é estado. Ser feliz, pra mim, é se sentir vivo: vivo, na vida. Indo, andando. Descobrindo. Não se encolhendo. Não com medo. Não tentando corresponder a uma estreita e congelada imagem do que é "ser homem". Tomara que eles sejam eles. Muito eles. Com confiança de que dá pra ser. 
Dá pra ser, gente. É mais difícil - é, como diz o outro, "o caminho menos percorrido". Mas dá pra ser. A gente escolhe, a gente encara. A gente descobre outros. Que tão juntos e que ajudam na caminhada. Que é mais difícil, mas também mais saborosa. Mais encantadora. Mais amorosa. 
Dá brilho no olho e vontade de ir mais. "Ao infinito e além." Bora?

segunda-feira, 15 de agosto de 2011

Idéias de economia política, molengamente

("molengamente" eu descobri aqui; ia botar adagio, mas gostei mais desse...)


O título dá idéia. Pra dizer que não tá nada exatamente organizado. Por isso eu demoro pra escrever sobre economia: porque fico achando que vou parar, consultar, linkar, estruturar e... não escrevo. Aí esse vai assim mesmo. Molengamente, sem pressa, mas com alguma elegância. Comme il faut.


[pausa prá maquiagem. 
Ok.]


Então. A inspiração foi do último dia do seminário da AKB , que começou lindamente com minicurso de Cardim e Kregel, e fechou - pra mim - com uma mesa de bem-jovens (quando o Summa é a segunda pessoa mais velha da sala, eu me sinto avó dos participantes, né... se bem que... em termos de maturidade, aí já não...) sobre política fiscal, amigos e simpatizantes. A mesa foi inspiradora mesmo, e animadora: se o povo da novíssima geração tá pensando essas coisas, já vale a pena pensar em conversar. Porque a gente se sente menos dinossauro. Adorei, mesmo. Que bom que eu fui.


Só fiz um comentário pequeno ao final, sobre uma fala da Viviane. Mas não era crítica a ela: era só algo que me ocorreu comentar, até porque eu já tava pensando em escrever sobre isso, até porque a minha não-tese versa sobre isso - ou melhor, tem esse pressuposto como pano de fundo e justificativa. Quem sabe, agora com o MBA em Gestão Pública e Inovação, ela sai. O MBA também tá sendo inspirador. Mas voltando...
O comentário usava dois textos como referência: o primeiro era o do Colander, "Was Keynes a Lernerian?" O gist desse texto é que, se o Keynes for levado às últimas conseqüências  (grafia antiga enquanto pode), se chega no Lerner e no déficit de pleno emprego das finanças funcionais; mas, diz Colander, Keynes não era Lerneriano. Digo eu: era burguês e assim se comportava, claramente e escancaradamente. Por isso não gostava dessa idéia e advogava o gasto público como forma de contrabalançar estragos excessivos do capitalismo. Mas não como ação de Estado permanente.


O segundo texto é aquele do Kalecki, "Aspectos políticos do pleno emprego" (link prá versão em inglês, mas tem em português), que, na minha opinião, todo economista que se diz de esquerda deveria ler. Como vários outros do Kalecki. Kalecki era polonês e isso se via na sua forma de analisar a economia. E esse texto, acho, é o nde se vê melhor isso. Claramente. Kalecki se pergunta se é do interesse da sociedade capitalista que se chegue ao pleno emprego, e responde pela negativa. Claro que não. Com pleno emprego, a balança de forças fica mais equilibrada: ou, do ponto de vista de quem manda hoje, mais desequilibrada, já que passa a pender mais para o lado dos frascos e comprimidos. Dos que não tem. Dos que, enfim. A gente sabe quem são. E eles também. 



O comentário que eu fiz lá na AKB era esse: juntando esses dois textos, eu (e outros, mas enfim) defendo veementemente que o Estado tem que se fazer sempre presente na economia - com um volume de gastos importante. Em termos macro, G/Y (G= gasto, Y= PIB ou renda agregada) tem que ser significativo. E, vejam vocês, não estou falando de déficit ou superávit público. Porque isso se dá a partir do G-T, sendo T= tributos líquidos de transferências. E como T=t(Y), ou seja, os tributos dependem da própria renda gerada - e isso é fácil de ver quando pensamos no imposto de renda - o resultado déficit -> G-T<0 ou superávit -> G-T>0 só vai ser sabido no final. No final de quê? Do período analisado. Que é arbitrário: o chamado "ano fiscal". Vai depender também da estrutura tributária. Dos tempos dos fluxos. De tanta coisa. Mas a participação do governo no PIB, em volume, se dá a partir dos gastos, que geram PIB - e emprego, e rendas derivadas a partir do multiplicador. 


Quando do 11/09, o governo americano não só gastou como mandou gastar: providência primeira.
A Europa agora está enredada num angu de caroço criado porque, com Banco Central independente e conservador paca, os países entram em crise e não conseguem sair dela. Sem contar que o "receituário da crise" só piora a própria, já que manda em primeiro lugar reduzir os gastos. (E notem que nem tô falando da taxa de juros. Nem vou. Isso é outra discussão, que agrava ainda mais).


Espero que tenha dado pra entender o ponto. Se não deu, esperneiem. Comentem. Critiquem. Porque eu acho isso. Acho muito. E cada vez mais.

terça-feira, 2 de agosto de 2011

Declaração de amor ao Rio e a Laranjeiras

Outras pessoas já fizeram, lindas. Eu mesma, quando saí do armário como carioca, já fiz também, num texto que se chama "Cidade Conquistada". Mas de repente, porque a tarde tá suave, porque da minha janela dá pra ver a pedra e o verde, porque o domingo foi regenerador e eu passei boa parte dele (aquela em que eu não tava cozinhando) na Praça São Salvador, onde chegavam ondas de amigos, vinham, ficavam, passavam, enquanto eu tomava Magnífica envelhecida da barraca do Luizinho (e pela primeira vez ouvi ele contando como começou a vender discos, quando na verdade vendia era bebida) e achava que a vida tem seus rasgos de maravilhoso, esse texto veio como uma confirmação. 

Tá vindo, né. Porque eu começo a escrever como alguém que é tragado por uma onda e nunca sabe bem onde vai parar: descubro no final, quando acaba. Normalmente, com um certo alívio e uma sensação de ter chegado a uma praia. Qual, nunca sei bem, e vou descobrindo à medida que revisito os textos como se não fosse eu mesma que os tivesse escrito. 
(Parece papo pra boi dormir de gente neoblogueira deslumbrada: não é não. Deslumbrada eu tô mesmo mas é com esse jeito semiautomático de escrever que eu nem sabia que me habitava. Ou tão pouco.)

Então. Eu, forasteira. Pra sempre forasteira, quase nascida na Argélia (se minha mãe não tivesse voltado), que vi a luz pela primeira vez no cinza de Sampa, que fui saída de lá antes que o sotaque se arraigasse (graças a Deus, e me perdoem os paulistas que me lêem: sou mais o meu, apesar de achar o deles engraçadinho), que fui saída (dessa vez pela polícia que bateu na minha casa à procura do meu pai quando eu não tinha oito ainda) pra Genebra - de onde sou bastante: afinal sei cantar cé qué l'ainò em patois, as músicas da Escalade e conheço a história da Confederação Helvética direitinho, com direito a participação de Rodolfo de Habsburgo e dos cantôes originais: Uri, Schwitz e Unterwald -, e que aportei numa dolorosa pré-adolescência nas Laranjas de onde tinha saído em 74, na General Glicério, por obra e graça dos Ceccon cuja função na (minha) vida é encontrar apês pros Lins. Normalmente na frente do deles. Como na XXXI décembre. E na General.

Mas divago, pra variar. Onda leva, onda traz pensamentos e sentimentos. E o grande aqui, que vira onda de gratidão, é pelas Laranjas que me acolheram, com suas praças, com seu verde, com seu ar de quase-bairro do interior. De quase-não Zona Sul. De onde saí por dez anos, já adulta, e pra onde voltei com mensagem aos amigos: "voltei pra casa". E acharam  que eu tava me separando, mas minha casa é mesmo o bairro das Laranjas, onde morei na Ben Gurion quando Ju nasceu, na Gago Coutinho antes, na Moura Brasil de saudosa memória (ah, o apê da Moura Brasil... once in a lifetime. Mas valeu), e agora na Mario Portela (que eu só parei de confundir com a Cardoso Jr quando vim morar nela). 

As Laranjas da pracinha do chorinho, da feirinha onde conheci a linda Tati dos bijoux que me enfeitam pra sempre. Onde o Luizinho também ancora sua barraca aos sábados, e o Afonso prepara caipirinha de tangerina com gengibre, sem açúcar. Onde compro fantásticos CDs. Roupas, sapatos. Tudo com cara de feito pra mim. Porque, galera, entro e saio de chopins (nas raras vezes em que) sem nem olhar pras vitrines. Mas bota uma barraquinha na minha frente: tia Zèlia, tia Goia iriam ficar orgulhosas de mim. Viro Pimentel, olho tudo, negocio, consigo preços, descontos, pagamento facilitado e... levo. Porque foi feito pra mim, né. 

Do Maya, do café da manhã de sábado e domingo e dos encontros com o povo das Laranjas. Porque aí é que tá tudo, e assim explicava eu prá Mirela que tão bem se integrou (que ela já era daqui e não sabia): o lindo das Laranjas é a galera, que a gente vai encontrando, na feira, no chorinho, no Cardosão depois, e no domingo na São Salva, no outro chorinho. A gente se vê, se encontra, conversa um pouco, cidade de interior. 

E eu, a forasteira, a desgarrada das gentes, de repente descubro, com encanto e alegria, que me enraizei: me enraizei nas Laranjas, o lugar onde já morei mais tempo na vida, e onde me reencontro comigo no meio da minha galera. 

E ele, que é meio desgarrado também, traduz lindamente o que quero dizer nessa música que é meio mantra. Meio mantra disso tudo e de tudo um pouco. Viva. 



segunda-feira, 1 de agosto de 2011

Estados Unidos, dignidade e inveja


… e então ela me disse que não apenas quer, mas tem o plano concreto de morar nos Estados Unidos, porque lá todo mundo tem o direito a uma vida digna. Você sabe, digna – lá, qualquer um pode ter um carro que aqui a gente não consegue pagar nem em vinte e quatro prestações, para não falar em iPad e TV de tela plana.
E eu, que amo os Estados Unidos, invejei a pessoa, que aparentemente desconhece os conceitos de Medicare, dívida pública e Partido Republicano. A mesma pessoa que tem um plano de saúde privado perfeitamente compatível com sua renda; cuja mãe há pouco tempo operou pelo SUS; e que, para deixar tudo ainda mais divertido, tem seu próprio iPad e sua própria TV de tela plana, aqui na terra-sem-lei mesmo.
Invejei a pessoa para quem os Estados Unidos, de 1950 para cá, não mudaram nada e continuam sendo a terra das oportunidades para pobres estrangeiros desvalidos. Vai ver, aliás, ela está certa. Há quem concorde que nada mudou de 1950 para cá: aparentemente, seguimos todos lutando o bom combate contra o socialismo. Comunismo. Essasporra. É estarrecedor constatar que esta é a conversa dos adultos nos Estados Unidos: como impedir Obama de implantar seus programas socialistas nos Estados Unidos? (Todos põe a mão no queixo.) Repare que não é o tio Rei que está falando. O tio que está falando foi consultor de Bill Clinton por vinte anos. Não é um tio qualquer.
E esta é a conversa das adultas que tive no Brasil: seria possível levar uma vida digna aqui, onde não somos respeitados em nossos direitos de consumidores?
Então eu, que amo a pessoa, recusei-me a discutir não os já mencionados conceitos de política e economia, que desses eu nem entendo, mas os simples conceitos de green card e imigração ilegal. Pois pelo visto minha amiga também os desconhece, e uma vez na vida não seria eu a mala-sem-alma a arruinar o sonho de vida alheio. Ou antes, tentar arruinar, pois quem garante que eu conseguiria? Claramente, uma vida nos Estados Unidos onde leite, mel e produtos Apple jorram das torneiras desempenha uma função muito importante em sua vida psíquica – e, se nem a Veja foi capaz de miná-la, por que eu o faria?
Morei dois anos maravilhosos nos Estados Unidos. Da minha torneira jorravam um delicioso iogurte búlgaro e chardonnay californiano barato, mas o único produto Apple que eu tive, e continuo tendo até hoje, é o iPod mais vagabundo de todos.
Então, quando leio sobre os Estados Unidos, eu me preocupo. Eu me importo, eu torço por aquele lugar.
Minha amiga não tem preocupação alguma. Para ela, está tudo certo – tudo muito bem resolvido em sua cabeça. Estados Unidos, land of the free. O país onde terei uma vida digna.
Invejo minha amiga de um tanto que chega a doer.