segunda-feira, 1 de agosto de 2011

Estados Unidos, dignidade e inveja


… e então ela me disse que não apenas quer, mas tem o plano concreto de morar nos Estados Unidos, porque lá todo mundo tem o direito a uma vida digna. Você sabe, digna – lá, qualquer um pode ter um carro que aqui a gente não consegue pagar nem em vinte e quatro prestações, para não falar em iPad e TV de tela plana.
E eu, que amo os Estados Unidos, invejei a pessoa, que aparentemente desconhece os conceitos de Medicare, dívida pública e Partido Republicano. A mesma pessoa que tem um plano de saúde privado perfeitamente compatível com sua renda; cuja mãe há pouco tempo operou pelo SUS; e que, para deixar tudo ainda mais divertido, tem seu próprio iPad e sua própria TV de tela plana, aqui na terra-sem-lei mesmo.
Invejei a pessoa para quem os Estados Unidos, de 1950 para cá, não mudaram nada e continuam sendo a terra das oportunidades para pobres estrangeiros desvalidos. Vai ver, aliás, ela está certa. Há quem concorde que nada mudou de 1950 para cá: aparentemente, seguimos todos lutando o bom combate contra o socialismo. Comunismo. Essasporra. É estarrecedor constatar que esta é a conversa dos adultos nos Estados Unidos: como impedir Obama de implantar seus programas socialistas nos Estados Unidos? (Todos põe a mão no queixo.) Repare que não é o tio Rei que está falando. O tio que está falando foi consultor de Bill Clinton por vinte anos. Não é um tio qualquer.
E esta é a conversa das adultas que tive no Brasil: seria possível levar uma vida digna aqui, onde não somos respeitados em nossos direitos de consumidores?
Então eu, que amo a pessoa, recusei-me a discutir não os já mencionados conceitos de política e economia, que desses eu nem entendo, mas os simples conceitos de green card e imigração ilegal. Pois pelo visto minha amiga também os desconhece, e uma vez na vida não seria eu a mala-sem-alma a arruinar o sonho de vida alheio. Ou antes, tentar arruinar, pois quem garante que eu conseguiria? Claramente, uma vida nos Estados Unidos onde leite, mel e produtos Apple jorram das torneiras desempenha uma função muito importante em sua vida psíquica – e, se nem a Veja foi capaz de miná-la, por que eu o faria?
Morei dois anos maravilhosos nos Estados Unidos. Da minha torneira jorravam um delicioso iogurte búlgaro e chardonnay californiano barato, mas o único produto Apple que eu tive, e continuo tendo até hoje, é o iPod mais vagabundo de todos.
Então, quando leio sobre os Estados Unidos, eu me preocupo. Eu me importo, eu torço por aquele lugar.
Minha amiga não tem preocupação alguma. Para ela, está tudo certo – tudo muito bem resolvido em sua cabeça. Estados Unidos, land of the free. O país onde terei uma vida digna.
Invejo minha amiga de um tanto que chega a doer.

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