domingo, 11 de outubro de 2015

Meme dos livros n° 4 - "Um livro que você indicaria pra um novo amigo"

(Fiz uma pausinha, porque sou de remanchar. Voltando.... )
Um livro pra um novo amigo: e lembrei de uma história de verdade. Dei de presente o livro, pro novo amigo que eu esperava que virasse, como dizem, "algo mais". 
Foi bem curioso, até, porque ele leu outro livro: não o que eu tinha lido. O que acabou por aumentar meu interesse. Tão legal você ver o que cada um vê nos livros. E descobrir que vêem coisas tão diferentes de você.
Mas então: o livro era o meu primeiro do Steinbeck. (Viu, Tina, disse que ele ia aparecer...). Um livro que ganhei de presente de uma amiga. 
Um Steinbeck "menor", diante de "A Leste do Eden", das "Vinhas da Ira". 
Uma preciosidade, até hoje acho. E tenho vontade de comprar, de dar pros amigos.
Chama-se em português "O Vale Sem Fim" (tradução de A.B. Pinheiro de Lemos), e é um livro de contos. Todos se passam no Vale de Salinas, na Califórnia, a terra de Steinbeck. 
Fiquei tão encantada com o livro. Com as gentes ali contadas. Histórias de gentes: as minhas. 
Sobre os contos, tem um que é o meu preferido, aquele que eu tenho sempre vontade de dar de presente, e tenho um pouco de medo também: será que a pessoa vai ver? A doçura, a delicadeza, a dor presentes nessa história? O conto é "Os Crisântemos", e é uma historinha banal: um cara que conserta panelas, que vai de casa em casa oferecendo seus serviços; uma mulher já não tão jovem, cujo maior amor na vida são suas plantas. A conversa deles. Ela, que primeiro não está interessada em consertar panelas. Ele, que com um olhar consegue percebê-la, e que com as palavras consegue seduzi-la. E ela desabrocha na conversa, fala das suas plantas. Dos crisântemos que são seu orgulho. Um ouvido atento, cuidadoso: tão difícil por ali, naquela terra seca de clima e de gente. As panelas afinal são consertadas, e o funileiro leva um vaso de crisântemos. Tudo contado com tanto cuidado. Com tanta precisão, que a gente vê a história acontecendo.
Tem a história de Johnny Bear, um sujeito que se fosse hoje provavelmente se diria que tem uma síndrome do espectro autista: e que é capaz de reproduzir ipsis litteris conversas ouvidas, imitando as vozes. Faz isso em troca de bebida, no bar. E a cidade tem duas senhorinhas, irmãs, que são a epítome do respeito, o modelo da dignidade. Um dia, Johnny Bear chega no bar e conta uma conversa que ouviu na casa delas. 
A última história que eu queria comentar é a de um marido exemplar, sempre a postos, sempre atento, que um dia perde a esposa. E um amigo - o narrador - vai visitá-lo no dia seguinte. Bastidores. 
É, amigo: O Vale Sem Fim é meu livro pra você. Espero que goste. Mesmo.


quinta-feira, 8 de outubro de 2015

Meme dos livros n° 3 - "Um livro que é um soco no estômago"

Chegamos então a ele, o soco no estômago. 
E eu fiquei trabalhando e pensando durante o dia em que livro poderia ser.
Vaguei por vários, inclusive "Vidas Secas". Depois lembrei de outro que vai ser o meu aqui. Se chama "A Longa Viagem" em português: mas esse, como tantos, li em francês. É um romance autobiográfico do jornalista comunista espanhol Jorge Semprun e conta a viagem que fez num vagão de trem, com mais de cem outros presos, até o campo de concentração de Buchenwald.  
O livro de Semprun é pequeno e conta a história como uma lembrança a partir dos dias atuais. É um soco no estômago, contando algo que deveria ser tão óbvio: essas pessoas (119, me diz a wiki), ali, amontoadas naquele vagão, indo para um lugar que elas não sabiam qual era, com fome, com frio, com medo, no entanto viviam. Para além da fome, do frio, do medo. No entanto conversavam. Falavam de outros assuntos. De filmes, por exemplo. Um sujeito comenta sobre um filme chamado "A noite dos búlgaros". Que se passa num trem. E todas as vezes que se fala de búlgaros, eu, que deles não entendo patavinas, lembro de Semprun, do vagão, da grande viagem que o levaria até Buchenwald. Lembro e explico, e quem é meu amigo há muito tempo já deve ter ouvido falar várias vezes dessa noite dos búlgaros aí, que enganchou na minha cabeça. 
Como pode, né. Um amontoado de gente em um vagão de trem. Fome, frio, medo. E no entanto conversavam. Falavam até de filmes. De búlgaros. Que coisa impressionante. Viviam. No vagão em que eram carregadas pro campo de concentração, viviam. Apesar de. Contra. Viviam. Teimosamente.
E o livro, concentrado, pequeno, intenso, não é um livro de desesperança: muito pelo contrário. Semprun consegue fazer entrar frestas de sol na sua narrativa. Que coisa mais impressionante.
Um livro que é um soco no estômago, mas também um grito de esperança. Apesar de.




Esse post é o terceiro da série "meme dos livros". Pra ver a lista inteira e brincar também, chega aqui.

quarta-feira, 7 de outubro de 2015

Meme dos livros n°1 e n°2 - "um livro que é um abraço" e "um livro que devia ser filme"

Ah, pois é, eu atrasei... e agora posto os dois de uma vez só, como não. Minha cara. Eu e Chronos/Saturno, uma relação sempre conturbada. 

Mas então: o livro que é um abraço... eu vaguei pela minha biblioteca até parar nesse. Que é um abraço de fato. Um abraço taurino, por suposto. O que me conforta: gostos, aromas, comida quentinha.... a dor da vida melhora com um prato feito por alguém de quem se gosta. Diz se não. 
E o livro, esse, que me abraçou desde que o vi, que me deu água na boca (não de fome: de vontade. Quando quero muito uma coisa, fico com água na boca. Vocês não?) é "As Ervas do Sítio", de Rosy Bornhausen. O subtítulo do livro é "História, Magia, Saúde, Culinária e Cosmética". E o livro é assim, um livro lindo e delicado. Que fala disso aí tudo. As ilustrações finas são de Maria Eugênia Longo Cabello, e são parte tão integrante do objeto-livro de capa rosa-salmão. 
Abro ao acaso, e o acaso, que nos protege, me leva para a página da Aquiléa, nome de ressonâncias tão afetivas, nome da avó da querida Adrianne que nos abraçava, nos tempos de São Viça, com seu almoço-delícia de bife, arroz, feijão e batata frita. Nada melhor do que um "prato infantil 1" para encarar o resto do dia. E o de D.Aquiléa era sensacional.


Na página do livro, aprendo:


"Na Guerra de Tróia, há 3 mil anos, quando Aquiles foi ferido no calcanhar pela flecha envenenada de Páris, Afrodite em pessoa o aconselhou a usar essa planta para minorar seus sofrimentos. Desde então parssou a ser conhecida como aquiléa e como a campeã das ervas de combate aos ferimentos de arma branca. Aquiles morreu, mas isso não diminui seus méritos porque contra encantamentos não há muito o que fazer". Mitologia, aromas, história, utilidades.... tudo escrito tão bonito. Um abraço, né?




O segundo, o livro que devia ser filme, vai na mesma toada: esse é "Mil Dias em Veneza", desses livros que a gente (a gente-eu) abre em livraria só pra dar uma olhadinha, e acaba levando afinal. Porque parece um romance desses que grassam por aí: e não deixa de ser, mas é mais. É uma história verdadeira, um trecho autobiográfico da vida da autora, Marilena De Blasi. Uma chef de cozinha americana, apaixonada por Veneza. Pra lá ela viaja todo ano, e lá ela conhece Fernando, um veneziano que se encantara com ela em uma viagem anterior... a história do encontro deles é boa e parece inventada, mas o melhor do livro, a meu ver, é a história da americana que acaba decidindo se mudar para Veneza, e vai descobrindo aos poucos que morar na Itália com um italiano é bem mais complicado do que ser turista naquelas belezuras. Porque a Itália não é só linda: a Itália é velha e cheia de manias, de um jeito que os americanos têm dificuldade de entender. O italiano - que ela muitas vezes chama de "o estranho"- também. Marilena conta com leveza e graça. E vai salpicando a história dessa adaptação com as refeições que prepara. Mais uma vez, comida. Afeto, abraço. E eu achava tanto que esse livro devia ser filme que fui até pesquisar pra ver se o filme já tava feito e eu é que não sabia. Mas parece que não. Tá em tempo ainda. Ah! O livro acaba com as receitas todas dos pratos que ela prepara ao longo da história. Preciosidades.....


Atualização: faltou dizer que o original do livro é em inglês, mas a tradução da Fernanda Abreu é ótima e faz inclusive esquecer que o texto não foi escrito em português.


Esse post é o primeiro (ok, primeiro e segundo) da série "meme dos livros". Pra ver a lista inteira e brincar também, chega aqui.







segunda-feira, 5 de outubro de 2015

O novo meme dos livros - 1, 2, 3, valendo!

Aí que a Niara trouxe de volta um texto da Luciana de 2011, falando do meme "30 livros em um mês". E a gente voltou lá, pra comentar, pra curtir, pra relembrar. E surgiu a ideia: e se a gente fizesse outro?
Propus logo um mais curtinho, de uma semana em vez de um mês, já que o anterior eu não consegui acabar (como vocês podem ver)... embora tenha rendido textos de que gosto à beça.
E o povo topou, fomos sugerindo tópicos, a gente deixou a Lu fazer o texto-pontapé, e ela, toda assanhada, esticou nossa semana. Ficou assim então:

  1. Um livro que é um abraço
  2. Um livro que devia ser filme
  3. Um livro que é um soco no estômago
  4. Um livro que você indicaria pra um novo amigo
  5. Um livro que te trouxe um olhar novo sobre a vida
  6. Um livro que você levou até o final só de teimosia
  7. Um livro que mais te ensinou sobre sexo
  8. Um livro que faz viajar
  9. Um livro pra levar pra praia
  10. E pra terminar, um livro que é um amante… 
Uma semana de dez, pois. Estou adorando voltar a isso, revisitar livros, pensar de novo, sentir de novo, fazer parte dessa ciranda de novo. Ciranda de livros, olha que coisa mais deliciosa. Ciranda de livros por blogs de gente que é tão amiga. Quer coisa melhor?
A ideia é postar um livro por dia, visitar os outros, contar histórias, dar as mãos na ciranda.
Já se animaram com o programa a Niara, do Pimenta com Limão, a Luciana do Borboletas nos Olhos, a Rita do Estrada Anil, a Tina do Pergunte ao Pixel e a xará Renata Lima, do Agruras e Delícias. Fora estazinha que vos fala, claro. Espero que o Pádua se junte, que a Adrianne se anime, que o Paulo, que a Ana Paula, o Cláudio Luiz, a Monix, a Fal até.... que o pessoal venha, tire poeira dos blogs e dê as mãos à gente pra passear por histórias, ouvir outras, olhar com os olhos dos outros. A brincadeira é boa. Bora lá? Um, dois, três, valendo.





domingo, 30 de agosto de 2015

Como me ensinaram

Vi ali uma foto de luão, acolá uma conversa do Fernando sobre encher a cara com a mãe e vim aqui contar isso.
A gente, nas férias.
A gente era as crianças.
Eles, os adultos.
Aí eles jogavam conversa fora, bebiam, ficavam com saudade da terra tão longe, naqueles finais de tarde à beira mar. Cantavam músicas brasileiras, e a gente cantava junto. Batendo os copos pra acompanhar. Às vezes se quebrava um copo ou dois, mas não importava: a gente participava, cantava, sentia saudade mesmo sem saber de quê, e aprendia que ser adulto era assim também.
Cantar, beber, sentir saudade. Estar junto, se abraçar, cantar mais. Uma doçura dolorida, um calor de aconchego: era assim também ser adulto pros adultos que me ensinaram a ser adulta.
Era festa, era dança, e mais música brasileira: a noite toda, e nas noites de festa a gente podia ficar até o final. Até cair de cansados. Até eles caírem, o que acontecesse primeiro.
Preparar comida juntos, preparar festa, botar música, comer, beber, dançar: isso faziam os adultos que me ensinaram a ser adulta.
A perder o medo que era um medo tão grande de virar adulta.
Um medo que eu ainda tenho, tanto tempo depois que passaram a me chamar de adulta.
Aí eu junto os amigos, os irmãos, e a gente joga conversa fora, joga conversa dentro, ri, chora - que é meio que a mesma coisa .
A gente come, bebe, dança juntos: ser adulto também pode ser bom.
Inda bem que me ensinaram.




quinta-feira, 16 de julho de 2015

A Lisboa da Lu

Me perguntaram o que é que eu estava indo fazer lá. Ora, conhecer a Lisboa da Lu. Tinha subitamente me dado conta de que maio seria a última oportunidade: depois as passagens subiriam - alta estação - e, em seguida, a Lu ia voltar.
Passei uma semana em Lisboa, para espanto de um monte de gente. As pessoas achavam, sem me dizer claramente, que era um desperdício. De quê, não sei. De Europa, porque estava indo só a Lisboa? E quando a gente tem tempo de ver tudo? Eu, por mim, ancoro e faço ninhos em botecos de onde vejo o mundo. Que delícia fazer ninho em Lisboa, encontrar meus cantos nos cantos da Lu, com a risada da Lu para acompanhar. 
A "casa dos mortinhos"em que ela me levou pra passear e conhecer túmulos: como é que ela sabia que eu ia adorar esse programa? Não sabia, claro. Estava me mostrando a Lisboa que era dela. O Mercado pra tomar cerveja e comer beliscos. A beira do Tejo, o cais do Sodré e o bar que Fernando Pessoa frequentava. O Bitoque e seus donos de cabelos brancos e sorriso pronto, e suas delícias do mar. Onde eu aprendi que gostava de vinho verde, sim senhora: não gostava era de vinho verde doce
As praças por perto da casa dela, em Campo de Ourique, com quiosques, mais risos, mais chopes. 
Bethânia em Lisboa, quer algo mais Lu do que isso? Pois cheguei bem no dia, chorei com ela, me encantei com ela e com uma plateia inteira de portugueses que cantavam todas as músicas e ainda fizeram uma flash mob agradecendo a Bethânia pelos 50 anos de alegrias.
Pastel de bacalhau recheado com queijo da serra: esse a gente descobriu juntas, ela, eu e a Claudia Beatriz. Delícia total. Gosto de quero mais. 

O elétrico. A cidade alta. O castelo de São Jorge, que a gente acabou visitando só por fora,e a feira de artesanato que tem ali do lado. 

O passeio em Cacilhas com a Fernanda, a contação encantadora da Claudia.
O apê da Lu, pequenino e aconchegante, em uma vila em que se penduram roupas coloridas na janela. Só o chuveiro é que não gostou de mim e travamos altos duelos pela água quente. Well. Não se pode ter tudo.

Agora a Lu está se despedindo, e eu que lá passei só uma semana me despeço também. Agradecendo a alegria de ter podido compartilhar da Lisboa da Lu. Que será pra sempre um pouquinho minha. 
Viva as novas aventuras, querida. De volta, mas tão diferente. Crescida. Iluminada por outras luzes, bafejada por outros ventos. Trazendo nos cabelos e nas modas os jeitos e os ares de Lisboa. Da sua Lisboa: a Lisboa da Lu, que é só uma.


terça-feira, 23 de junho de 2015

Com venda nos olhos e meia arrastão

Um filósofo francês de nome inglês falava do exercício que é tentar "ver" como um bebê. Um bebê, dizia ele, não sabe dos signos, dos símbolos, dos significados: por isso, vê de verdade, a forma, a luz que incide sobre o objeto, as diferentes cores, os ângulos que mudam a forma, o volume. Sente a textura com a mão, bota na boca e sente o gosto. Bebês "sabem" os objetos muito mais do que os adultos, que categorizam instantaneamente - e, por isso, não veem de verdade.

Tenho vontade de propor algo similar para textos: uma venda, um rabisco em cima do nome de quem fala. Assim, quem sabe, se prestaria atenção no que se diz. Cada vez mais, me dá a impressão que as pessoas tomam posição a respeito do que é dito, não pelo conteúdo, e sim pela identificação de quem diz.

É fulano? É bom. É beltrana? É ruim. O porquê ninguém sabe e ninguém quer saber: é fulana, é beltrano, isso basta e justifica.

Parece fácil, mas é enganoso e perigoso. O contrário do que deveria ser.

Por isso, a proposta: uma venda. Um Liquid Paper. Algo que esconda quem é. Algo como a troca entre atrizes e pessoas reais no filme "Jogo de Cena", do Coutinho. Algo que obrigue a prestar atenção de verdade, porque a gente ainda não sabe como vai votar. Se a gente não sabe quem diz, como pode concordar ou discordar a princípio?

Desconfio que essa sugestão ia encontrar muita resistência. É tão mais prático concordar com nomes. Discordar de gente. "Ah, é fulano, ele fez isso e aquilo" - logo, não pode dizer nada que preste.

Não?

Tem certeza?
Escuta de venda.
Vou pedir para aquele menino que está passando ali ler pra você.

Ei! Psiu! Menino! Sim, você. Tem um tempinho pra ler um texto aqui? 


P.S.

A meia arrastão botei só porque fiquei a fim. Gosto de meia arrastão.



Resultado de imagem para collant en résille

segunda-feira, 18 de maio de 2015

Sobre aquele casamento lá

Eu não ia dizer nada sobre isso. Quer dizer, nada além do que já disse: que achava um acinte um evento desse porte ser realizado em pleno horário do rush, no centro do Rio, que já está totalmente bagunçado pelas obras. Que achava falta de respeito com quem tem que voltar pra casa do trabalho. Que, sim, achava que a Preta Gil podia fazer o casamento que quisesse, do tamanho e do jeito que quisesse. Mas que acharia muito mais bacana se ela tivesse optado, por exemplo, por fazer no final de semana, que não atrapalharia o povo na volta do trabalho. 

Aí comecei a ver comentários: alguns de revistas de celebridades, falando da pompa da festa, comentando vestidos, padrinhos etc. Acho divertido ler essas coisas sempre. E nem preciso estar na depilação. Aí teve o texto do André Forastieri - com quem, em geral, eu não concordo - falando sobre o custo do casamento: achei apropriado. Uma pessoa pública. Um evento daquele tamanho. Uma família que, originalmente, era de classe média. Um pai que foi ministro da cultura. Por que não falar dos custos? Por que não discutir dinheiro de cultura? Foi alfinetada? Sem dúvida. Mas é papel de jornalista. Achei válido.
E depois vieram aqueles “em defesa” da Preta Gil - como se ela precisasse disso. E o que vi foi tudo na linha “só falaram dela porque ela é negra e gorda e tem quarenta anos e é tudo recalque”. 

Só isso que me tirou daqui do meu cantinho pra escrever algo a respeito: porque, não, não é isso. Não, não é porque ela é negra. Não, não é porque ela é gorda e tem quarenta anos. E isso me lembrou muito certas “defesas” do partido hoje no poder. Essa conversa de que qualquer crítica é recalque - ou, no caso, racismo, gordofobia e similares.

Bora parar com isso, gente. A Preta Gil é ela: uma mulher bem-sucedida, que faz a vida dela, que samba na cara dos preconceitos e, sim, ostenta quando tem vontade. Tá certíssima ela. Eu, aliás, sempre simpatizei imenso com esse lado da Preta. Bota mais pérola que tá pouco, aumenta o decote, joga glitter, tá tudo lindo e eu não tenho nada a ver com isso. 
Mas tenho a ver com a discussão de dinheiro público que pode estar envolvida aí. E se não estiver, tanto melhor: mas o questionamento não deixa de ser válido e apropriado. Tenho a ver, também, com o simbólico do evento (já que eu tenho a sorte de não trabalhar mais na cidade e nem moro em Santa Teresa, e portanto de não fui atingida diretamente pelo megaevento VIP-VIP que arrasou o Rio de Janeiro na terça passada): acho bem triste mesmo que não haja nenhuma gotinha de espírito cívico na pessoa ou em seus familiares, que ninguém tenha se preocupado com o tamanho do caos que iria causar. E acho, sim, que isso tem que ser discutido. Em si. E todo dia. Não pode, Arnaldo. Sinto muito: se pode, não devia poder. Tá muito errado. E fico triste também pelo simbólico da coisa: de Gil, de seus filhos, eu esperaria outra coisa.