Foi a partir de uma conversa no tuíter, a respeito da nova propaganda de Vanish; comentava-se que pela primeira vez uma propaganda brasileira tem o homem como consumidor de produto de limpeza.
Pela primeira vez, que eu me lembre: numa incrível sacada de nossos jovens e mudernos publicitários. Posso até imaginar a reunião na agência, a idéia revolucionária: "porque não botar um homem usando produtos de limpeza?". Olhares de dúvida, certo desconforto, pigarros. E enfim, a aceitação da ousada proposta: um homem como foco da propaganda de um produto de limpeza. Ainda não é, como se poderia supor, aquele cara que lava roupa em casa, seja porque divide com a mulher, seja porque é solteiro, gay, o que for: é um homem que, como proprietário de uma pousada, atesta que as toalhas e lençóis ficaram mais limpos depois do uso do produto.
É pouco para o século XXI. Mas já é alguma coisa, em se tratando do universo da propaganda brasileira.
A conversa é de hoje, mas a verdade é estou com vontade de escrever sobre isso desde a época do barraco com a propaganda com a Gisele Bündchen. Na época, achei barulho demais por aquela propaganda.
Não porque a achasse boa, vejam bem: a propaganda era ruim. Ruim porque boba. Porque trabalhava com a mesmice dos preconceitos e lugares-comuns. Onde, mais uma vez, mulher tem que falar com homem fazendo biquinho e usando lingerie. E a mensagem é bem assim: mulher que tem cérebro usa o corpo. Enfim. Nada de novo no front publicitário.
É que aquela, dentro do panorama geral, nem era das piores. Tem tantas outras. Praticamente todas.
Tinha uma que me irritava particularmente - não conseguia ver sem comentar: era de uma locadora de vídeos, em que a mulher tinha que ser segura pelo marido, senão saía correndo pra dentro da loja e levava tudo. Fazia um estrago. Claro, né. Esse ser descerebrado. Que não sabe se conter. Que precisa do homem para segurá-la e não deixar que ela consuma a loja inteira.
E tem várias dessas de consumo: podem reparar, a mulher sempre é uma louca que quer estourar todos os cartões, ou que fica chorando e pedindo "benhê, me dá aquilo, e mais aquilo".... enfim, mulher não sabe gastar. Sem homem, coitadas. Ficam perdidas. À mercê dos seus instintos mais primitivos.
(Como é que tem tanta mulher chefe de família no Brasil é que os jovens e mudernos publicitários não explicam. Mais de um terço, diz o IPEA - e este número está certamente subestimado: em muitas famílias, mesmo que haja homem na casa, a verdadeira chefe de família é a mulher. Que trabalha e paga as contas - dela e do marido. Longe das vistas dos jovens e mudernos publicitários.)
Tem os anúncios de cerveja, onde as mulheres viram objeto de consumo vendido junto com a bebida: compre uma cerveja e leve uma linda moça de brinde. Ou duas. Ou várias. Beba a cerveja, coma a mulher. Refeição completa. Mulheres, é claro, não bebem cerveja. No máximo em grupos mistos, onde se esforçam para serem aceitas até serem subitamente ofuscadas pela a aparição da "garota da cerveja": aquela que todo mundo - isto é, todo homem - quer para acompanhar a bebida.
E as de produtos domésticos. Um capítulo à parte. Porque as mulheres brasileiras, segundo nossos incríveis publicitários, têm como sonho ganhar uma lavadora de roupas nova de aniversário. Um fogão, que maravilha. Uma geladeira, duas portas, elegante, congelador separado. As mulheres das propagandas, que são elegantes, bonitas, cheirosas. E ficam em lágrimas ao receber de presente aquele fantástico objeto que lhes permitirá lavar de forma mais profunda e completa as roupas do seu homem, dos seus filhos. O fogão reluzente no qual ela preparará os pratos deliciosos que alegrarão toda a família. Ai, que sonho: um eletrodoméstico de presente de aniversário. Isso é que é prova de amor.
Raramente, muito raramente, aparecerá nessas propagandas a figura da empregada doméstica, que em casas de classe média e alta é quem faz realmente uso desses objetos. Isso para que não me venham falar de realismo: se for para ser realista, que sejam as empregadas domésticas as protagonistas. As que entendem de máquina de lavar e de fogão. Não é o caso: nas imaculadas e enormes casas com jardins das propagandas nacionais, quem cuida da casa, sorriso nos lábios impecavelmente pintados, é a rainha do lar. É ela que se alegra ao experimentar a nova marca de sabão em pó, ao utilizar o desinfetante multiuso, ao devolver ao assoalho aquele brilho perdido. Que felicidade. Que maravilha. Limpar e arrumar a casa, é para isso que a mulher usa toda a sua criatividade, toda sua energia. Ali, ela se realiza. É a mãe de todos: dos filhos e do marido.
Porque, claro: mais uma vez, não há solteiros, não há gays. E tampouco há maridos ou namorados aí: longe deles participar das atividades de arrumação, limpeza, cozinha. Não: sua hora na propaganda é outra. Eles virão na hora de conter suas mulheres para que elas não detonem o cartão de crédito. Na hora de sorrir para o biquinho da moça vestindo lingerie. Na hora de comer a garota da cerveja.