sexta-feira, 21 de setembro de 2012

Tá chegando a primavera e a gente vai tar lá




Hoje é dia de primavera. Não exatamente o dia do começo da primavera no calendário: esse é dia 22, amanhã. Hoje é dia da nossa primavera. Nossa primavera carioca.
"Eu sou carioca e fecho com Marcelo Freixo."
E vocês podem achar que é besteira, mas eu, que não tô nem cantando, choro só de escrever. Porque isso tem duas partes: "eu sou carioca" - e isso pra mim é conquista tão grande, eu a desgarrada, a filha de exilados, a menina desenraizada, um dia, depois de muito tempo, me assumi carioca e até escrevi um texto sobre isso: "Cidade Conquistada". Não foi mole, não foi fácil, mas é isso: nasci em Sampa, de pais pernambucanos, cresci na Suíça. E sou carioca. Me aguentem.

A segunda parte também me faz chorar: fecho com Marcelo Freixo. Cacete. Fecho como não fechava com ninguém há tanto tempo. Bom, pra não ser injusta, antes teve o Plínio, que admiro há tanto tempo pela via do meu pai lutador da reforma agrária, e que trouxe de volta a política (e não o marketing, e não as pesquisas, e não os Duda Mendonça) para o debate político.
Marcelo Freixo tem história e aprofunda lindamente essa senda. Traz de volta, todo dia, a política para o debate. Como não se emocionar quando ele responde na lata, em entrevista-pauleira e canalha do RJTV , a uma repórter que mencionou "você que é de um partido que se diz socialista"... e Freixo, rápido: ""se diz", não. O PSOL é socialista." Como não admirar a história de vida desse cara formado em história e  que, por tanto tempo, trabalhou como voluntário dando aulas nas prisões do Rio? Aí a gente acredita quando ele fala que preso que cumpriu pena não deve mais nada à sociedade. Aí a gente vislumbra um caminho diferente.

A gente que tá na campanha tá vendo as dificuldades: um partido tão pequeno, um partido tão jovem, uma campanha tão sem grana, brigando com o candidado do poder, da Globo, das empreiteiras. Contra o candidato da Delta e das milícias que assolam o Rio de Janeiro e impedem Marcelo Freixo de andar sem segurança. E no entanto, tem cheiro de novo no ar. Cheiro de primavera. Cheiro de esperança, nas rodas e nas redes, nas ruas e nas praças, que estão sendo retomadas pelos meninos que sentem que Marcelo Freixo é diferente. E todo dia tem uma invenção: um jingle, uma camiseta, um evento, uma festa.

E, olha que novidade: um comício. Tem um comício hoje, gente. Um comício na Lapa, um comício da primavera. Com flores, com fita amarela. Com alegria, como deve ser um comício levado no boca-a-boca, na ciranda em que se puxa um, e mais uma, outra ainda. Olha que novidade. A gente pensava que isso não aconteceria mais. Que a realpolitik do neoPT tinha dominado o mundo e acabado com a esquerda. E eis que. Tamos aí. Tamos aí de novo. Na Lapa que é lugar que já foi tão degradado, e hoje é espaço público de festa e alegria.
Vai ter concentração das mulheres na Carioca; vai ter outra concentração na Central.
Tudo espontâneo, tudo combinado pelas redes que nos ajudam a estar juntos e misturados pra celebrar a chegada desse novo em que a gente nem acreditava mais: esperança é a palavra, e ela começa com Marcelo e acaba com Freixo.
Sou carioca e voto Marcelo Freixo - 50. Com muito orgulho.




sexta-feira, 14 de setembro de 2012

Página solta de história não-escrita




Ando sem escrever. Muitos textos não-escritos: todos na cabeça. Alguns rascunhados. Mas nenhum pronto ainda.
Pra não deixar o mato crescer demais, vai aqui um antigo. Que é também um rascunho. Quem sabe.

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Queria contar esta história como uma história de medo. Medo e solidão, que sempre me acompanharam e talvez me acompanhem até hoje.
 Medo da ausência. Medo de portas fechadas. Medo de dormir com a luz apagada. Solidão: pela estranheza, pela diferença, pela falta de vínculos com a realidade dos outros.

A necessidade de contar esta história sempre existiu, mas só agora, a partir deste nome, consigo encontrar o fio condutor: os filhos da tempestade. Aparentemente iguais a todo mundo, e que no entanto guardam marcas diversas de um tempo em que a vida virou de cabeça pra baixo; foram arrastados pela chuva e tiveram que se manter à tona.

A história, na sua origem, trata de mim: gerada na Argélia, nascida em Sampa, crescendo um pouco no Rio, um pouco em Genebra, filha de pais pernambucanos - não há como estranhar a falta de raízes e a urgência de me sentir “pertencente a” alguma coisa, qualquer coisa, um grupo de igreja, uma turma de colégio ou de faculdade, a família de Recife... algo que me desse uma identidade coletiva e me fizesse menos sozinha.

Minha vida sempre se compôs de definições e redefinições, como se fosse possível a qualquer hora “desmanchar e fazer de novo”. Usar uma borracha e retraçar caminhos partindo do zero. Mudanças de escola, de amigos, de bairro, de cidade, de país. Pra recomeçar tudo a cada vez.
Esta realidade que é a minha não foi - na origem - construída por mim. Esta diferença que determinou a qualidade do meu olhar sobre o mundo me foi imposta pelas opções dos meus pais.
Rue Saint-Laurent, la "maison de verre".  O segundo pouso.

E aqui é que surge o verdadeiro tema deste texto: a não-escolha. Desde a “Abertura”, muito já se escreveu sobre os rumos tomados por aqueles que escolheram. Pra mim, falta ainda falar dos outros: os que foram levados, os filhos da tempestade - que até hoje lutam para encontrar sua identidade, num mundo em que são sempre, em certa medida, estrangeiros.
A primeira dificuldade, creio, é mostrar que há aí uma história a ser contada. História de não-sujeitos da ação. História de objetos diretos ou indiretos, de complementos cuja função era seguir... e segurar a onda. Porque naquele momento os problemas fundamentais eram outros, maiores, que não passavam pela gente. Organização, estratégias, separações, rachas, perdas e danos, esperança... e a gente acompanhando, ouvindo, olhando, crescendo dentro da tempestade. A gente se juntando na diferença: os excluídos. A gente se sentindo tão pequenos diante daqueles heróis que eram nossos pais. Os que fizeram. Os que tentaram. Os que escolheram. Os que sofreram “a dor e a delícia de ser o que e(ram)”.

E isso é outra questão que se coloca como fundamental, a meu ver, para os “filhos da tempestade”, sobretudo numa análise a posteriori: como sobreviver a esses heróis? como corresponder às expectativas -deles e, sobretudo, nossas? De que maneira estar à altura e não frustrar o que acreditávamos que eles  esperavam de nós?... tantas perguntas, que definem escolhas às vezes insensatas, que constroem uma tensão maior do que a habitual entre o que se quer e o que se deve – a si mesmo, aos pais – , tornando a busca de identidade própria da adolescência um sofrimento tão maior do que o inevitável, e a vida adulta na “democracia” às vezes um pouco pálida diante do que sonhamos e vimos acontecer.