Minha mãe-borboleta é um termo que cunhei há alguns anos, quando tava tentando explicar minha mãe na aula de astrologia da Martha Pires, para o Jayme, a Míriam e alguns outros. E nunca deixei de chamá-la assim em pensamento. Isso porque "borboleta" diz bem como eu a vejo. A borboleta tem a qualidade da boniteza, colorida, exótica, leve. Minha mãe sempre foi muito bonita, e essa boniteza sempre fez parte da vida. A gente via como meu pai olhava pra ela e acho que ele sempre se admirou, no fundo, de ter conseguido ficar com aquela tão bonita...
A borboleta borboleteia, e assim vive minha mãe. Borboleteando pelo mundo. Eu digo pro Felipe: "a menor distância entre dois pontos é uma reta, mas não para a sua avó... então, ela chega, a gente só não sabe quando".... porque, é claro, a distância menor é muitas vezes a mais sem graça. Quem sabe o que a espera na volta, na curva, no desvio que é na verdade uma nova conquista, um novo sabor, um novo olhar, novas pequenas aventuras, que fazem do dia-a-dia algo sempre cheio de graça....
E graça também tem minha mãe-borboleta, graça de transbordar. Primeiro graça de humor, ela é uma pessoa engraçada naturalmente, e a brincadeira, o jogo de palavras, é sempre uma boa opção pra ser ouvido e entendido por ela. Mas a graça mais importante é aquela que também é mais profunda e por isso mais difícil de explicar: é aquela qualidade meio mágica, de tornar tudo interessante, divertido... a gente podia ter que fazer gato de luz no corredor, mas era pra desenhar sombras. Se meu pai ia chegar, que tal montar uma surpresa pra ele? Fazer desenhos, botar nas paredes, pensar algo que fizesse com que ele se sentisse acolhido, esperado, recebido...? E isso é com todo mundo, o toque mágico tá lá sempre, e por isso a casa dela é um lugar meio encantado, onde faz bom (essa é em homenagem ao Ondjaki) se reunir, inventar uma comida, tocar um violão, ligar pros amigos.... sempre tem lugar pra mais um. Maxime Le Forestier conta: "on se retrouve ensemble/ après des années de route/ et on vient s'asseoir/ autour du repas/ tout le monde est là/ à sept heures du soir..." (bom, essa parte das sete horas não é bem, bem assim... mas o que conta aqui, como vocês já entenderam, é o tempo afeto, não o tempo do relógio. São essas sete horas aí...)
Um dia meu filho Felipe, em um sarau desses, olhou com aqueles olhos pretos de absorver tudo e sentenciou: "quando eu ficar velho, quero ser como a minha avó". E eu concordei com ele, que alegria ser essa pessoa adolescente com mais de sessenta anos, viver a vida borboleteando e achando graça em pequenas coisas...
É claro que isso tudo traz em seu bojo algumas dificuldades, às vezes grandes. Uma delas é a dificuldade de marcar: marcar hora, marcar compromisso. Como pode uma borboleta ter hora pra chegar? E as flores que ela ainda não viu, onde ela ainda não pousou...? A capacidade da minha mãe de chegar fora de hora (atrasado não é uma boa palavra) nunca deixa de surpreender. A última vez foi no dia da eleição, em que, tendo combinado de votar comigo e com Marcelo no Fluminense, ela conseguiu chegar uns 40 minutos depois da hora marcada... e sempre cheia de explicações: claro, os meninos tinham dormido lá, tinha tanta coisa pra fazer, tinha que.... mas a verdade (e se ela olhar bem, bem pra dentro há de reconhecer o que estou dizendo) é que ela não lida bem com compromissos que envolvam hora (nenhuma borboleta lida, deve-se dizer. Nisso elas estão todas de acordo: esse negócio de hora não tá com nada...).
Tenho também que contar pra vocês a outra dificuldade bem grande: é a comunicação entre a gente. Astrologicamente, nossas formas de se comunicar são opostas - e complementares. Quer dizer que se a gente estiver abertas, as duas, a comunicação passa a ser um ponto forte, a gente constrói castelos, se diverte e bola coisas incríveis, quase brincando. Mas normalmente, essa sintonia tão delicada não acontece. E a gente se machuca, sempre. Ela me acha agressiva, briguenta. Eu a acho geladamente cortante, venenosa, maledicente. Isso porque se a gente for descrever um gruyère, eu vou falar da massa do queijo e ela vai falar dos buracos. Tá tudo ali, mas o olhar é outro. E é difícil se comunicar. Minha irmã libriana como ela, meu irmão de mercúrio (comunicação) em gêmeos (signo do ascendente dela) são muito melhores. A tal ponto que às vezes sugiro a um deles dizer a minha mãe algo que eu gostaria de dizer, mas que eu sei que se for eu, ela não vai ouvir. Tem dado bastante certo....
Mas o que eu queria dizer mesmo, com esse circunlóquio todo que fala também da minha timidez ao dizer coisas tão graves e tão delicadas, é o quanto eu admiro e sempre admirei minha mãe-borboleta. Mesmo com todo o estranhamento que existe quando a gente encontra o diferente. Mesmo com toda a dificuldade que isso implica na comunicação do dia-a-dia. É isso: sou muito orgulhosa da minha mãe-borboleta, e às vezes penso que ela não se dá conta do quanto. Do quanto eu sei da coragem dela ao encarar a ausência do marido nômade e os três filhos em terras estrangeiras. Do sacrifício que eu sei que foi ela deixar de fazer uma carreira própria pra ser a companheira do meu pai. A grande companheira. A que tornava cada casa "a casinha de nós", com os amigos, as comidas, o violão.
E nesse fim de ano, quase começo de outro, eu precisava contar isso. A vocês e a ela.
Lindo texto. Duas lindas mulheres, encantadoramente amáveis.
ResponderExcluirÉ uma alegria sabermos reconhecer a beleza de quem anda pertinho.
coisa mái linda.
ResponderExcluirÔ, amoras. :)
ResponderExcluirQue amor, Renata. Que bom que você disse.
ResponderExcluirBeijo grande, nas duas.
Rita