Esta noite, viajei na leitura do texto delicioso da jornalista Lauren Collins - em inglês - sobre as dificuldades de namorar com alguém que não tem a mesma língua nativa. A língua materna dela é o inglês, a do marido o francês, e o texto reflete sobre muitas das questões que envolvem discutir, argumentar, seduzir em língua alheia. Ou vice-versa. Mistérios. Máscaras indesejadas. Como é que você é você em outra língua?
Línguas são minha praia (alô povo dos #12anos4ever, aquele abraço!) desde sempre. Tendo a achar que Lamarck estava certo e que isso foi herdado do meu pai: a impressão que dá é que ele passou o gene das línguas para os três filhos. Mas a minha reflexão consciente sobre isso começou aos sete anos, quando me vi imersa em língua diferente da minha (francês) e tendo que remar todo dia para entender e me fazer entender. O processo não foi longo em tempo-de-adulto, e no final do ano eu já estava apta a ganhar um daqueles prêmios que as escolas em Genebra davam para os melhores alunos. Não tenho tampouco lembrança de ter sido particularmente difícil: foi, isso sim, intenso. Estado de atenção permanente: entender não só as palavras, mas o que as pessoas querem dizer com elas. As entonações, as ironias, as piadas. Tudo tão diferente da língua da qual eu vinha.
Após os primeiros tropeços, acabei aprendendo a manejar com destreza aquele instrumento novo. E, quando já estava tudo calmo e eu pensava e sentia naquela língua que um dia tinha sido estrangeira, mudou tudo de novo e pela segunda vez vivi algo semelhante - estranhamento, adaptação. Esta segunda vez foi, sem dúvida, bem mais dolorosa: foi difícil adquirir a consciência de que a língua de onde eu vinha, na qual me reconhecia, minha língua materna, não me reconhecia mais e se esquivava, qual fogo-fátuo. Achei que era só chegar e correr pro abraço.
Ledo e Ivo engano, agora é que eram elas: a língua, tal como eu a falava, já tinha virado uma espécie de esperanto bilíngue, um espaço em que, além dos aportes dos meus pais e tios (com quem a gente aprendia todo dia expressões e modos de dizer brasileiros), meus primos, meus irmãos e eu depositávamos também nossos jeitos de falar em francês, apenas literalmente traduzidos. Expressões idiomáticas, sarcasmos, humor. Aquele português ali era só nosso e não, como a gente imaginava, a língua real e dinâmica do Brasil. Esta já tinha se modificado e se transformado, ao longo daqueles cinco anos em que a gente ficou longe. Fora que o português dos sete anos não é exatamente o mesmo dos doze: pode parecer que sim, pra quem vive isso num contínuo, mas pra mim que tive esse corte do ir-voltar parece evidente que os conceitos aprendidos até os sete são os "de dentro de casa": família, lar - estendido até a escola. Depois disso, e até o começo da adolescência (justamente nos doze-treze), é que se constrói a individualidade, a língua própria, a forma de cada um ver e expressar o mundo através da fala e da escrita. O primeiro descolamento do núcleo familiar.
Isso é que eu tive de aprender de novo, e até já toquei nesse tema por aqui, num texto intitulado "Palavras forasteiras". E tinha isso, as palavras que eu não conhecia, as gírias do momento, mas também as formas de falar, as metáforas - tantas metáforas ligadas a futebol, que eu demorei a usar porque tinha vergonha.... tomar cuidado pra não "pisar na bola", conseguir que acontecesse "aos quarenta e cinco do segundo tempo", marcar um "gol de placa".... algo que está tão entranhado na realidade brasileira que a gente nem se dá conta, mas imagina um gringo tendo que entender (ou traduzir, deus me livre) este comentário?
"A presidente Dilma, como técnica, tem direito de escalar quem quiser. Mas como todo brasileiro dá pitaco na escalação de times, vejo que com a decisão de chamar Lula, às vésperas de um partida decisiva e que pode por fim a seu governo, Dilma chama um craque veterano, que estava no banco, fora de forma e que já entra com um cartão amarelo e uma arquibancada dividida. É uma escalação de altíssimo risco."
Pois é. Pra mim também foi difícil. Porque o "falar português" tinha a ver com encontrar as "minhas" palavras em português. Dentre as variadíssimas formas pelas quais se pode dizer algo, qual era a que melhor refletia meu jeito? Aprender as formas. Entender as formas. Incorporar. Observar, observar, observar. Quem usa, como usa. Testar, na língua, na vida. Ver o que funciona, o que não. Deixar de lado a ironia nossa de cada dia, que aqui é vista como grosseria no mais das vezes (sinto falta de brincar disso até hoje, confesso). Aprender a fazer desvios, contornos e a não ser tão direta (não aprendi direito, foi mal. Acho que, nesse caso, a personalidade não ajudou muito....).
Pois é. Pra mim também foi difícil. Porque o "falar português" tinha a ver com encontrar as "minhas" palavras em português. Dentre as variadíssimas formas pelas quais se pode dizer algo, qual era a que melhor refletia meu jeito? Aprender as formas. Entender as formas. Incorporar. Observar, observar, observar. Quem usa, como usa. Testar, na língua, na vida. Ver o que funciona, o que não. Deixar de lado a ironia nossa de cada dia, que aqui é vista como grosseria no mais das vezes (sinto falta de brincar disso até hoje, confesso). Aprender a fazer desvios, contornos e a não ser tão direta (não aprendi direito, foi mal. Acho que, nesse caso, a personalidade não ajudou muito....).
Corta.
Muitos e muitos anos depois, um cara com quem eu estava começando a sair sentenciou, divertido: "você fala que nem um moleque".
Eu ri.
E gostei.
Foi como se ele tivesse, ali, chancelado minhas escolhas. Eu tinha, afinal, aprendido a me expressar de verdade em português: era eu mesma. Moleque.
Muitos e muitos anos depois, um cara com quem eu estava começando a sair sentenciou, divertido: "você fala que nem um moleque".
Eu ri.
E gostei.
Foi como se ele tivesse, ali, chancelado minhas escolhas. Eu tinha, afinal, aprendido a me expressar de verdade em português: era eu mesma. Moleque.