quarta-feira, 25 de julho de 2018

Para Paulo Ricardo do Recife

Paulinho querido,

vim te dar notícias do mundo de cá, enquanto penso em você no mundo de lá. Será que já se adaptou? Será que ainda estranha os jeitos e as modas? Papai passou pra te dar uma força?
Tantas perguntas, e você e seu olhar verde como explorador desse outro mundo.
Quando meu pai morreu, ganhei de presente de uma amiga um livro do Rilke, "As Elegias de Duíno". Me contou ela que tinha sido importante quando da morte do pai dela, que esperava que me ajudasse também. Acho que nunca disse a ela como foi e como é importante ter lido aquele livro. Mudou meu olhar e me ajudou a acolher a dor da ausência, que permanece.
Ainda converso com você na cabeça, de vez em quando. Sobre aqueles assuntos em que a gente discordava, e que voltava e voltava a discutir. A ideia de "moderno", por exemplo, que pra você estava associada a aço e cimento, a construções altas. Você falava comigo como se eu não quisesse que o Recife "se desenvolvesse". Acho que talvez, depois desse último período em que veio mais vezes ao Rio, você tenha entendido que não era isso, muito antes pelo contrário. Que o meu Rio é cheio de prédios antigos, que a orla da praia não permite edificações de 30 andares, que o centro da cidade - meu lugar predileto - é de sobrados e paralelepípedos.
Será que, daí, você vê seu sobrinho mais novo crescendo? Tão parecido com você, ele. A boca, os olhos. Que bom que deu pra ele conviver bastante, pra vocês se aproveitarem um ao outro. A gente fica querendo que fosse mais, é certo. Mas foi muito, o tempo que deu. Foi intenso.
Carol tá parecendo bem e feliz. Sempre uma alegria renovada ela por aqui. Há tanto tempo, mas continuo me alegrando. Ela foi pro Recife e estava lá no aniversário de 89 do velho Paulo: cara, que sujeito impressionante. Tá lá, vivendo a vida, indo ao xópin de que você também tanto gostava - mais uma de nossas diferenças -, se divertindo como só ele sabe. Vi fotos bem bonitas dele e de tia Zélia, das suas irmãs, na comemoração. Uma pena que não dê pra gente estar sempre, mas o coração tá junto e a tecnologia ajuda a se sentir mais perto.
A gente por aqui... cara, tá difícil paca. Não sei o que você ia achar disso tudo. Sei da tua revolta certa com a prisão de Lula: consigo até imaginar você indo dar bom dia ao presidente lá onde Aquele-Que-Não-Deve-Ser-Nomeado o enfiou sem nenhum motivo razoável. E a Dilma deposta... e o Rio de Janeiro, com um prefeito que nem faz de conta que liga pra cidade. Cê não tem ideia.
Como diria Chico,

a gente vai cavando só de birra, só de sarro
E a gente vai fumando que, também, sem um cigarro
Ninguém segura esse rojão


Querido, vou indo nessa. Passei só mesmo pra te dar um alô e um beijo. Pra dizer que você permanece aqui, na lembrança e na saudade. Com os olhos verdes, o sorrisão e a voz grave de tantas cantorias.
Torce aí que a gente anda bem precisada. Quem sabe você não manda umas energias positivas.
Um beijo grandão,
Renata







2 comentários:

  1. Tão particular e íntima escrita que quase parece arquetípica. Um abraço pra você(s).

    ResponderExcluir

Comente à vontade. Mas, caso você opte por comentar como "Anônimo", assine de alguma forma, por favor. Fica mais fácil responder.