Ela me pediu amizade no feicebuque e eu fui verificar os amigos em comum: se não tiver uma quantidade de amigos em comum, se eu não entender por que a pessoa me adicionou, não rola. Bom, não tinha muitos, mas tinha foco - o colégio. Alguém do colégio, pois. Olhei melhor: a foto me lembrava algo, o nome me lembrava algo.
Aí de repente eu situei. Era aquela menina. Aquela com quem você namorou. Ela tinha te dado uma foto do book dela, você me mostrou e ali é que eu aprendi o que era book. Eu era tão apaixonada por você que doía. Mas você nem tinha ideia. E talvez fosse melhor assim - eu não ia saber o que fazer se você tivesse ideia.
Eu preferia ser amiga e deixar doer. Eu preferia sentir a dor lá no fundo toda vez que os olhos verdes brilhantes, de gato, olhavam pra mim com um sorriso brincando no fundo. Aquela piscadela sem compromisso, na passagem, pra cumprimentar. A voz com sotaque de lá. O jeito tão seguro, aquele jeito de quem sabe que nasceu pra ser dono do mundo.
Enquanto eu, nada. Eu tava meio que reaprendendo a andar, a falar. Aprendendo os códigos e as gírias. Fazendo errado tantas vezes por não saber. Eu era bicho do mato, gente-em-carne-viva. E tinha me apaixonado por você no primeiro dia. Quando você falou pela primeira vez. Acho que foi na aula do Armando, de português. Ele perguntava o que as pessoas queriam ser quando crescessem. A gente só tinha 13 anos e eu não tinha a menor ideia do que queria ser. Fiquei calada, pois. Mas você respondeu: "quero ser jornalista". Pra contar sobre o mundo, pra tentar mudar as coisas pelas palavras. Eu achei tão engraçado. Nunca tinha pensado que alguém podia querer ser jornalista. Mas me encantei com a voz, com o sotaque, com os olhos de gato, com as ideias que me desafiavam a pensar diferente. Um dia, eu quase quis ser jornalista também.
Você acabou sendo ator, e eu economista: imagina, economista. Nessa altura do campeonato, acho que nem imaginava existir tal profissão. Foi depois, já perto do final. Quando eu comecei a namorar aquele moço que estudava economia. Ele estudava mas nem gostava tanto: queria ser diplomata, achava que ajudaria na prova do Rio Branco. Eu continuava a não saber o que eu queria, mas tinha lá minhas questões. Não queria fazer curso "de mulher". E Letras, na minha cabeça, era definitivamente um curso de mulher. Pensava em História, talvez, mas fui ao IFCS e achei meio sombrio demais. Se eu fosse sincera comigo mesma, poderia ter gostado de estudar Matemática. Só que isso exigiria uma maturidade absolutamente inexistente. Matemática, definitivamente, não era cool. Não era bem-visto naquele colégio de artistas e cientistas políticos.
Foi o lugar que me convenceu: o teatro de arena da UFRJ, a coisa mais linda. A "faculdade rosa". A cara das pessoas também, de engravatados a hippies, passando por outros estilos. Essa diversidade que eu não encontrava no colégio e que me faltava.
Mas ali, naquela altura, você me mostrando a foto, eu fiquei foi com inveja. Não eram ciúmes, era inveja mesmo. Queria um book daqueles pra mim. Queria te mostrar também, claro. Como eu podia ser bonita assim e você nem via. E olha que curioso: você viu. Tantos anos depois, quando por motivos outros acabei também fazendo um, saí correndo da sessão de fotos, ainda maquiada e vestida, para a estréia de uma peça sua. E fui no camarim falar depois, como sempre. Me lembro até hoje da tua cara de espanto. De você me dizendo como eu tava diferente. Eu, na verdade, não tava tão diferente, aquilo era obra do maquiador e cabeleireiro que tinha me produzido pras fotos. Depois que eu tomasse banho, voltaria a ser eu. Era só brincadeira. Você deveria saber, ali ainda vestido com os trajes de palco.
E a gente nunca ficou juntos, embora tenha sido amigos por tanto tempo. Uma vez a gente até falou disso: mas pra dizer que não tinha rolado, que não ia rolar, embora pudesse. Embora sua mãe e a minha fizessem o maior gosto (e isso era outro motivo pra não rolar, né).
Pois é. Aceitei a menina aquela no feicebuque. Nem sei por que ela me adicionou. E da última vez que te vi, fiquei meio triste. A gente praticamente não se falou. Como se agora, de verdade, estivesse distante. Como se o afeto tivesse ido definitivamente pro arquivo das lembranças. Achei que nunca. Você? Nunca.
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O teatro de arena da minha faculdade rosa. |