sexta-feira, 8 de julho de 2011

Hoje, no Corecon RJ, sobre Lei Maria da Penha

Esse é um post impressionista, pra ficar registrado. Hoje à noite teve debate sobre Lei Maria da Penha no Corecon. Como estava envolvida à tarde com outros afazeres, cheguei - que pena - depois da apresentação do pessoal do Teatro do Oprimido. Na hora das falas. Falas boas, fortes. De mulheres. Fiquei particularmente (bem) impressionada com a delegada Márcia Noeli. Porque, vocês sabem. Delegada. Já perdi um monte de preconceitos. Já namorei filho de coronel e uma prima querida é casada com um militar (querido, meu primo também, fique registrado). Então. Mas bom, polícia ainda não tanto. Apesar do Hélio Luz, do Rodrigo Pimentel. Do Zé Rubem Fonseca. Enfim. De eu saber que existem.
A delegada contou de quando entrou na polícia, como detetive. Foi exatamente na época da inauguração da primeira Delegacia de Atendimento à Mulher - DEAM - do Rio de Janeiro. Vai fazer aniversário, agora em 18 de julho. Contou de como ela e suas companheiras (eram 300 no total, acho) eram cotidianamente discriminadas pelos colegas. De como é importante ter um espaço exclusivo de atendimento às mulheres: não por conta da necessidade de algum apartheid de gênero, mas porque a nossa sociedade é tão machista que as mulheres não conseguiam ser atendidas. E explicou que a Lei Maria da Penha foi fundamental para dar respaldo legal a esse atendimento - porque antes, mesmo com DEAMs, não havia legislação específica e tudo era regulado pelo Código de 1940. Com a lei Maria da Penha, passou a haver um instrumento legal adaptado para esse trabalho, o que facilitou em muito a vida de quem se dedica a cuidar das mulheres vítimas de violência.
Foi ótimo. As outras falas também foram, mas reproduzo o básico desta pelo singular.
Eu fui lá e me inscrevi pra contar uma coisa, compartilhar outra. A coisa que contei foi o seguinte: andou me caindo a ficha de um certo incômodo que sinto e ao qual eu não conseguia dar nome (nomear seus demônios é dar-lhes forma definida, dizia Claudia Castelo Branco em encontro do SINARJ.) Sou de família 100% nordestina. Três avós pernambucanos, uma paraibana. Essa, de Areia (PB), tinha a história que eu sempre conto de sua mãe Janinha (minha bisavó), a primeira mulher a montar a cavalo "como homem" na cidade. E minha avó botou os filhos no Colégio Americano Batista de Recife porque era o único misto naquela época. E na minha família, pois - dos dois lados - , na minha família pernambucana, mulher taí e tá na briga. É pra dizer o que pensa. É pra brigar, pra defender, pra discutir. E isso, na minha percepção forasteira, é pouco aceito no liberal e libertário (sua bênção, Alex Castro ) Rio de Janeiro. Outro dia tive discussão acalorada em mesa de bar, com gente libertária, liberal: pois bem, mais uma vez se reproduziu fenômeno que percebo freqüente (nova ortografia só quando for obrigatório): homens olhando de lado, meio nervosos, tensos. Mulher discutindo assim não dá. Elas podem discutir, e eu naquele espaço do PSOL sou aceita e acolhida, não me entendam mal. Sou (até) respeitada, ouso dizer. Mas discutir falando alto, ah, isso não dá.
Vocês tinham que ver o tom das discussões que rolam: nego levanta, bate na mesa, xinga. Tudo na mais santa paz. Todo mundo sabe que aquilo acaba ali mesmo, que é paixão na defesa das idéias. Quando são homens. Quando são mulheres, ah, aí... constrange, né. Porque não é que elas não possam falar: todo mundo tem direito de expressar suas idéias. Mas com elegância, por favor. Falando baixo. E eu tenho um jeito meio estúpido de ser, como já dizia o Rei. Mas é assim que eu sei amar vocês, rapazes. É o meu jeitinho. Os brutos também amam. As brutas também. E as... bom, vocês entenderam. Me lembrou horrível ditado francês, que diz bem o que ele diz: "Sois belle et tais-toi". Seja bonita e cale-se. Simples assim. Porque na verdade, à vera mesmo, a gente aqui por essas plagas ainda é meio que café com leite. Em período de experiência. Handle with care.
E isso eu contei, com vários olhares e acenos aprovadores ("nodding", uma palavra que me faz falta). Que em Genebra, no Recife, em Sampa ou nas redes nacionais em que já trabalhei nunca teve problema: eu falava como eu falo, apaixonadamente, e sempre fui bem recebida. Acolhida. Pelo mérito.
Aqui na Cidade Maravilhosa, purgatório da beleza e do caos, já não. Aqui pode falar. Desde que seja baixo. Desde que não constranja ninguém. Desde que. E agora lembrei - porque é assim que funciona minha desbussolada cabeça - da madrasta da Cinderela (não precisa de link não, né, galera) dizendo pra ela que ela poderia ir ao baile, se.... (arrumasse a casa inteira, lavasse as vidraças, o chão, passasse a roupa, produzisse as irmãs Griselda e Anastácia). E quando as irmãs indignadas dizem "mamãe, você a deixou ir ao baile?" - ela só levanta a sobrancelha, dá um meio sorriso e diz "eu disse SE".
E isso, é claro, é a versão Walt Disney da história. Uma linda recontagem. E sábia.

5 comentários:

  1. Sois belle et tais toi - nunca tinha ouvido esse ditado, e mesmo assim dói na carne. Gostei da reflexão familiar e, se me permite - a dona do blog é voce ;) - na minha casa de italianos, minha nonna fazia um pouco o que queria, mas nunca enfrentava a discussão `Contento te, contenti tutti` dizia a meu pai - o que enlouquecia ele. Em compensação, as minhas discussóes com ele muitas vezes alcançavam altos decibéis, e depois... tudo bem - a gente se ama e pronto. Pior pra ele seria se eu tivesse fugido do argumento. Mas (voce bem sabe) ja fiz parte de grupos onde era mais seguro ficar calada. Pesadas lembranças...
    Um beijo
    Claudia

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  2. Beijo, querida. Duro isso, dos grupos em que é mais seguro ficar calada. Tomara que não mais. Que nunca mais.

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  3. Pois é, Renata,
    esta situação expressada por tua frase "desde que seja em tom baixo", etc me é muito próxima. Noto que existe em discussões ou situações decisórias uma submissão a uma formalidade que me parece até aristocrática. Porque me parece que o contrário também existe: vejo pessoas fazendo canalhices que são aceitas justamente porque têm um verniz de cordialidade, de gentileza. Eu, particularmente (até porque eu sou inflamado), procuro ver o que rola realmente numa discussão, independentemente do tom de voz. E sei que sou muito discriminado pela forma pela qual me expresso.
    andré

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  4. E eu, André, e eu... que além do mais tenho dois XX... como moro e me adaptei aos jeitos do RJ, em geral me saio bem ao disfarçar o tom. Mas me custa. E em discussão citada acima, o que me indignou foi que aquelas pessoas ali eram todas, supostamente, libertárias, de esquerda, em prol da mudança... mas machismo é muito mais entranhado. E, te digo, com experiência de casa nordestina: machismo carioca é pior. Mais disfarçado e tão nocivo quanto.

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  5. Parabéns pelo post Renata, me identifiquei muito. Principalmente com esse olhar "café com leite". Uma olhar meio assim: "Que bonitinha, ela é mulher e até pensa! Vamos lhe dar ALGUM crédito..." Arrrrghhh!!!!

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