sexta-feira, 20 de maio de 2016

Depois de ontem, amanhã


Ontem foi dia de falar de amor.  Amor como falta, amor como completude ou incompletude, amor e intensidade. Tanto e tantas vezes que fui checar: Vênus tá em cima do meu sol, Mercúrio em cima da minha Vênus. Dia de falar de amor, sem dúvida nenhuma. 

[cabô interlúdio atrológico.]

Aí que a Lis escreveu um texto tão lindo no Biscate hoje, sobre deixar ir, desapegar, recuperar espaços. Comentei lá, fiquei pensando nisso. Já escrevi um lá mesmo sobre esse tema, também, chamado "Hora de Ir". Sobre quando não dá mais. E o "não dá mais" não tem necessariamente a ver com o não amar mais. Eu nem sei mesmo se isso existe, esse não amar mais. Mas tem o deixar ir. Deixar-se ir. Soltar. Chorar até murchar, até não ter mais uma gota dentro de si, se encolher no chão frio, beber até apagar, ouvir blues que é bom pra isso, com aquelas notas gemidas.....  e uísque. Uísque combina com blues. 

Antigamente se dizia "curtir fossa". E era bem visto. Era bonito. Hoje não se diz mais nada, e não é bem visto. No mundo dos sorrisos permanentes de fêice, da alegria divulgada, das selfies, não é bem visto isso aí de curtir fossa. De ficar deprê. De chorar as dores de algo que não é mais. Só que, se não sentir, se não se deixar, se não chorar até, o nó fica, não é mesmo? O entalamento. O aperto no peito. Chora tudo e deixa ir. Mergulha e sai do outro lado. Vai até o fundo e dá impulso (sei, essa é batida e a gente não sabe mais se tem fundo. Mas enfim. Cês entenderam).

Um arco. Um arco com começo, meio e fim. Um pote de ouro no fim. Arco-íris. O pote de ouro é a gente. A gente que se reencontra lá, depois de ter se perdido no outro. Na outra. De ter se fundido e se... tá, tá. Vou dizer não. 

Quando eu era adola, bem lá no começo, eu tinha medo de vir a ser Carolina na janela. Tinha medo de deixar a vida passar e ficar ali olhando. Lendo livros, que é o que eu fazia de melhor. Desenhando. Sentindo por dentro e ninguém sabendo. Tinha medo, não: tinha pânico. Tanto que saí vivendo, atabalhoadamente. Pra não correr esse risco. Nunca fez sentido pra mim o medo de se jogar: tinha medo, sim, mas era da placidez. Da falta de história. Sofrer faz parte, se rasgar, olha que beleza. Dá filme, dá música. Muito melhor. E nunca perdi essa noção, mesmo quando entrei nos buracos de dor: melhor assim. Melhor viver. Mesmo se ferrando no caminho. 

"Com sabor de fruta mordida", lembra a Lis no comentário do post. E sempre preferi esses também. Os com história. Com dores próprias. Gosto de vislumbrar memórias não-contadas. Gosto de olhares pro longe. Gosto de não entender. E, curiosamente, isso me dói também: queria tudo pra mim, mas não quero tudo pra mim. Essa dor de não poder ter tudo é fundamental no encanto. No meu encanto, digo. 

E depois, tem o outro sentimento: a alegria de olhar e não querer mais. Tão bom isso. Fica a história, a lembrança do afeto vivido. Não renegar nada, acolher tudo. Mas agora o tempo é outro. Quero mais não. 



14 comentários:

  1. Eu sempre curti muita fossa, mesmo sem sofrer. Deixar drama tocar na vitrola e acender um cigarro, mesmo sem fumar. Cantar fracasso, no chuveiro.

    Acho que ajuda, sabe, ensaiar.


    Lembrei do Nelson Rodrigues, nem sei mais em que conto, dizendo que é preciso deixar a viúva se jogar sobre o caixão e gritar que quer morrer, gritar, segundo ele, era essencial. também acho.

    sei lá, dá vontade de comentar parágrafo por parágrafo. ou pegar um avião e te encontrar no bar da esquina e te contar a vida.

    na impossibilidade, acho que vou escrever um post.

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    1. Exatamente isso, isso aí do Nelson Rodrigues. Tento ensinar à minha mãe. Ela teve dificuldade, foi educada pra sofrer em silêncio e sorrir quando saísse na rua: mas acho que teve que ir aprendendo, que jeito.
      Oba. Mais post.

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  2. Vou soar repetitiva, mas acho que sempre que alguém falar desse lance de o chorar não ser mais bem visto vou me lembrar do livro da Kehl, O tempo e o cão. De como esse livro me disse tão claramente sobre a importância do tempo do choro, da necessidade de se permitir o luto; do humano que é sentir dor e tratar dela da forma devida, com atenção. Enfim, fica aqui a repetição.

    beijos

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    1. eu queria tanto ler esse. gosto demais dela. e acho esse assunto tão importante....
      beijo, querida.

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  3. Eu também sou da geração de 'sofrer calada' e 'engolir o choro"... Mas nunca concordei. Meus sofrimentos eram muito intensos e eu precisava botar aquilo pra fora em nome da minha sanidade. Então eu chorava, me descabelava, me rasgava... igual aquelas mulheres gregas que a gente via no cinema... Era considerada exagerada e maluca por isso, mas me fazia bem, ajudava a cicatrizar.
    A dor maior que já senti na vida foi a morte do Ivan. Essa atingiu uma parte do meu ser que ainda estava intacta. Eu fiz a cena habitual, mas a dor do rasgo estava lá dentro, naquele lugar que precisei sentir sozinha. Tive ajuda de profissional pra chegar lá e encarar, o que muito me ajudou a viver o luto, essa coisa que antes era abstrata, mas na verdade é muito real e dolorosa. Demorou muito tempo pra cicatrizar, ainda hoje de vez em quando vem uns arpejos, uns suspiros...

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    1. sim, tem umas que são tão grandes assim.... essa da minha mãe era tão grande assim. minha tia agora teve uma tão grande assim.
      mas chorar ajuda. não resolve nem faz passar, mas ajuda.
      beijo, querida.

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    2. Ai, Renata, Luciana, Beth, Rita...
      Que bom que o mundo me permite ler vocês em momentos tão cruciais.
      Obrigada!!

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  4. Yup! Yup!Yup! Hoje nao pode nada. E se alguem se atrever a ficar depre por um instantinho, sempre existe a turba dos remedinhos. Tudo para o seu bem. Triste.

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    1. pois é. Dureza isso aí dos remedinhos.... beijo, Mari!

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  5. Tem uma estranha coincidência nas minhas dores, o luto feroz dura sempre uns 3 meses, aí eh muito bolero, choro, colo de amigos, álcool e outras fugas, aos 4 meses aparece a calma e quase sempre uma alegria intensa em forma de novas pessoas. Sigo confiante! ;)

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  6. queria ter lido esse texto uns anos antes, em um tempo ainda não totalmente passado... ele teria ajudado a encurtar a dor do luto. mas já tô quase naquele ponto da "alegria de olhar e não querer mais". tá tudo tão bem dito aí, me achei nas tuas palavras, e me acalmei. muito agradecida por essas linhas!

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    1. Poxa, flor, que comentário lindo. Que bom que serviu pra trazer alguma tranquilidade pra você. Beijo bem grande!

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