domingo, 25 de setembro de 2011

O peso que o tempo tem e o que a gente é de verdade

E eu nem ia escrever mais nada hoje, mas acabei entrando numa conversa, li esse post aqui da Luciana, que ecoava tanto o que penso sobre este assunto, lembrei que meu único texto na Constelar fala disso, e voltei aqui pra comentar. Sobre o tempo. O tempo e as mulheres. A valorização ou desvalorização das mulheres. E esse é assim mesmo: específico sobre mulheres. Porque o "valor social" das mulheres tá intrinsecamente ligado à forma física e à aparência. 

Mesmo que, ao fim e ao cabo, os homens gostem de ter alguém com quem rir e com quem conversar. Eles gostam, mas não sabem disso. Porque a cultura, esse monstro de mil patas e nenhuma cara que flui e engole as individualidades à sua volta, a nossa cultura machista, ensina aos homens que seu valor é dado (nesta ordem):
a) pelo carro que têm, que como todos sabem é uma proxy do... bom. Vocês me entendem. Basta ver uma tarde de anúncios pra ver que o que os caras tão anunciando não é carro: é outro tipo de potência;
b) pela mulher que conseguem. 

E "que conseguem" não tá ligado, como o marciano desavisado poderia supor, à sua capacidade de conquistar e manter a seu lado alguém divertido, interessante, vivo, curioso. Não, nananinanão. Tá ligado, não é, à capacidade de conquistar alguém de pele lisa, cabelos brilhantes, sorriso esfuziante, cintura de pilão, porte de felina. Gata. Gostosa. Princesa da ervilha. Elegante. Um márquetchin pro cara que a usa como adorno no braço direito, que a exibe como um troféu de caça. 

O cara? Baixinho, careca, barrigudo, chato. Não importa. Ninguém diz nada. Mas ah, vai uma mulher com rugas, com tamanho, com peso, com história escrita no corpo namorar um sujeito mais novo... e bonito: aí a reprovação é sideral. Não pode: tá contra a ordem das coisas. Tá errado. É feio. É deselegante. "O que é que ele viu nela?" , a pergunta-clichê que todos se fazem. Todos no seu sentido original, ou seja, englobando os gêneros reconhecidos e a reconhecer.


Tudo isso pra contextualizar. Porque eu não gosto quando dizem que eu pareço mais jovem. Não gosto, em primeiro lugar, porque não é verdade: eu não durmo em tupperware, nem parei de mudar com alguma idade pra trás. Mais jovem, eu era diferente. Só sou assim agora porque vivi o que vivi, sofri o que sofri, gargalhei quando deu, chorei um monte - que eu choro à beça, pra caralho ou mais - e... como diria o Neruda, de saudosa memória, "confesso que vivi". E não vou botar a cabeça embaixo da asa, não vou fazer de conta que não, não vou renegar os anos: são meus, me trouxeram até aqui, e como taurina possessiva que sou não cedo nenhum deles. Se gosto de mim hoje, é por conta desse caminho. Tortuoso, difícil, uma "aprendizagem pela pedra" (salve, João Cabral). Alegre também, divertido, risonho, cheio de amigos, de amores. Um caminho percorrido. E nem vou citar o Antonio Machado de novo, porque já tá lá no texto da Constelar.

E, porque falei em Constelar, lembro que tenho lua no ascendente, que sou "guardiã da memória". Talvez por isso me importe tanto. Talvez por isso sinta tanto. Talvez por isso deteste tanto esse mundo em que as mulheres têm que pedir desculpas por serem, depois dos trinta. Por serem. Por estarem ali e quererem viver "à part entière". Sem descontos. Sem ser na xepa. Querem tudo: um amor bacana, companheiros de copo e de cruz, um espaço próprio, o lugar de dizer o que acham. Sem que passem a mão na cabeça, sem que olhem piedosamente e, também, sem que se espantem: "nossa, como você parece mais jovem!" . Pareço não. Sou assim porque cheguei até aqui. Em todos esses anos. E vocês que vão dormir com isso.



15 comentários:

  1. Do fim pro começo: essa música é um dos meus mantras.

    Eu gosto de ser cada vez mais gulosa e cada vez menos preocupada com a opinião dos outros. Gosto de gostar da minha vida.

    Eu não pareço mais jovem, nem mais velha, pareço mais eu.

    Uma linda, leve e precisa reflexão sobre tempo, cultura e g~enero.

    Beijo

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  2. Tenho um único irmão. Os da rua rua o chamam neiva. Nos o chamamos Sonsoho. Espécie de ícone familiar. Justo, muito justo. E o admiro muito. Há uns 20 anos, quando estávamos na faixa dos 40 e de biquini com gordurinhas já invadindo espaços. Acho que estávamos no Posto 9, onde saltitam lapidados. Um amigo de meu irmão, muito querido também, olha as amigas e diz para meu irmão: "quem diria, elas...já não tem mais o mesmo corpo". Meu irmão rspondeu sem hesitações, " e tu, G., já te olhastes? Olha tua barriga, olha o teu papo. Olha pra minha barriga. Tu achas que estamos melhor?
    Foi quando percebi que nem todos os homens buscam bundinhas empinadas.
    Tenho tantas outras histórias. Até minhas, mas deixo para depois
    Abraços
    Memélia

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    1. Memélia, ainda aguardando o seu relato por escrito!!! :-)

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  3. Então, Luciana: eu também tenho essa sensação. De que pareço mais eu. Ou "me deixo parecer" mais eu.
    E, Memélia, claro que a historinha contada aí é uma caricatura, né. Mas que, como toda caricatura, tenta capturar traços da realidade. Esses que me marcam, e me impressionam. Claro - ainda bem - que tem muita gente que não é assim: mas o que é duro é que têm que não ser assim apesar das pressões sociais. Pelo menos, é assim que percebo.
    Beijos às duas!

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  4. Ai ai ai Rê, como é que vc consegue assim dizer tão bem dito o que passa na alma cabeça da gente?! Eu gostei um monte, eu sintopenso isso tudo aí, bem isso aí. Deu vontade de mandar prumonte de gente ler. Podo?

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  5. Pode, né, amore. Claro. Tá na chuva... eu fico é feliz que tu goste e queira mandar. Inda mais esse que veio tão "das entranhas"...! =)

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  6. Odorei o chopinho! Leve e gostoso!

    Bjs!

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  7. Mulheres são nostálgicas, e à medida que "enloubecem" - se tornam lobas, e não loucas - justificam ou racionalizam suas condições mais efetivamente... O importante é o ajuste em si mesmo, independente de ser homem ou mulher.
    Mulheres são as primeiras a competirem entre si, pra alcançar o primeiro lugar da "mais"... Depois, algumas tomam o sentido contrário, insatisfeitas com o resultado da férrea competição. Homens, geralmente não sacrificam a obesa no biquini, mas as mulheres; e aí, logo depois, rir, divertir, acompanhar, se tornam as maiores virtudes.
    A cultura é um monstro de mil patas, de gênero feminino mas não fêmea em si; talvez epiceno ou comum de dois, mas que tem alcançado uma velocidade de mutação grandiosa e possibilitado transformações na sociedade. Porque não começar com o olhar pra dentro, e não o para fora?!?

    Viva o que Luciana Nepomuceno escreveu, que não tá nem aí com nada, e nem querendo ser engolida ou dormida, ou qualquer coisa do gênero. Ela simplesmente é.

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  8. Renata, esse veio geladíssimo, matando a sêde e saciando o sentido; valeu, bjão

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  9. Pois, Alcione. Meu ponto aqui é que isso é uma questão, não "das mulheres", mas "da sociedade", que se organiza reservando esse espaço aí - tão ligado à beleza, às formas perfeitas, à "idade certa" - às as mulheres.
    Porque não acredito que as mulheres nasçam assim: as mulheres são criadas para serem assim, são ensinadas a serem assim. Por outras mulheres, e pelos homens seus pais, seus irmãos, seus maridos.
    E, claro, mulheres se revoltam, se irritam, e "não ligam" pra isso: mas é uma atitude. Não é "o natural".

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  10. Bela reflexão. Foi a Dri que me sugeriu o texto. Linhas cheias de ritmo, de sangue e de verdade. Ainda que de forma diferente, e com um abismo histórico-social entre ambos, o homem é tão oprimido quanto a mulher, tendo o seu desejo prisioneiro de injunções por ele mesmo forjadas ao longo dos séculos e que, às vezes, sequer tem consciência.

    Bela reflexão. Paz e alegria.
    Rodrigo Quaresma.

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  11. Obrigada pela leitura e pelo comentário, Rodrigo. Um abraço!
    Renata

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  12. Homem não é oprimido, é ignorante da sua própria condição, vítima da culturalização. Opressão é outra parada.

    Eu ri com o "Princesa da ervilha".

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    1. :) eu uso muito. Ontem mesmo (dez 2012) pensei nessa imagem. Porque tenho uma pele que marca com qualquer coisa - pele de princesa da ervilha. Só falta o reino a ela prometido...

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