"Um livro que te faz lembrar de alguém". E, claro, pra variar, passeei por vários: o Neruda de "Confesso que Vivi" - meu avô lendo em voz alta, a gente naquele hotel branco em Argel, à beira da falésia. Neruda tem gosto de meu avô pra sempre. E esse era o primeiro que eu tinha escolhido.
Mas não vai ser.
Vai ser - e só pensei nisso hoje - "Cleo e Daniel". Roberto Freire: não o político, o outro. O psicanalista. Que no livro é o narrador contando a história de Cleo e Daniel.
Esse me lembra Lourdes. Lourdes, 35; Renata, 15. Lourdes que tinha acabado de se separar, que morava num apê térreo e com quintalzinho no Leblon, que tinha amigos artistas, cartunistas, poetas. Renata, ainda meio forasteira, num ano-chave: ano de primeiras vezes. Cabelo enorme e emaranhado, em carne viva, frio de gente, literaturas. Silêncios. Basta pensar que sinto um arrepio no peito. Ano dureza. Antes e depois dos quinze anos.
Nesse ano aí, fiquei pouco em casa: além de fazer tanta coisa na rua e chegar sempre tarde, dormia muito fora. Na casa de Claudia, na casa da Flávia. E na casa de Lourdes. A gente ia comer pizza provençale na Bella Blu do Leblon e tomar sangria. A gente ia naquele pequenininho e lindo, que fechou e do qual não lembro o nome: um que tinha um mural de avisos que eu adorava ler, e era do lado do ... Antonio's?
E "Cleo e Daniel" era da casa de Lourdes: como tantos, puxei de uma estante qualquer. Casa de gente, pra mim, é casa e livros: mesmo que eu não mexa, mesmo que eu não tenha intimidade, sempre tento olhar, fazer o panorama dos livros. Dali dá pra saber tanta coisa. Dá pra vislumbrar tantas outras.
Mas "Cleo e Daniel" - Leblon, Lourdes, 15 anos, pizza, sangria, cabelos - era eu também. Era o meu desejo. Um livro sobre adolescentes. Um livro sobre amor livre. Um livro sobre dores de crescimento. Era eu o tempo todo e por isso ficou. Era tudo o que eu queria, tudo o que eu não tinha: um grupo, um sentimento de violão com fogueira, uma gente se aquecendo, um amor imenso. E o que eu tinha: uma solidão, uma dor de viver, um não-entender.
Lourdes tinha 35 e parecia viver isso que eu sonhava e não tinha. Músicas, fumo, festas no quintalzinho. Um congresso de ioga em Itaipava. Amigos de monte que entravam, ficavam. Dormiam. Saíam, voltavam.
Eu olhava com olhos grandes de susto e vontade.
Foi no ano dos meus quinze anos.
Era "Cleo e Daniel". Que me lembra Lourdes.
Eu acho que ainda não tinha mencionado, mas quase tanto quanto dos posts gosto da trilha sonora sugerida, tão bom te saber em letra e som, é um aprendizado e um prazer. Eu nunca li Roberto Freire e nem pensava em querer, mas o tanto que quis a turma, o violão e o corpo livre. eita.
ResponderExcluirÉ engraçado isso, Lu, tanto quanto os posts que vêm meio no fluxo, parece que se constroem por si mesmos (tão ao contrário de tantas escritas árduas na minha vida), a "trilha sonora do post" se impõe. Porque a vida tem trilha, né. E ela vem sozinha, pra complementar. Eu tava aprendendo inglês e me sentia o "fool on the hill". Até hoje, se eu descuidar... ;-)
ResponderExcluirQue barato, prima! Minha mae me falou algumas vezes desta epoca em q vcs "badalavam", mas agora a estoria eh ainda mais clara pra mim... Vc sobreviveu bem a adolescencia para se tornar uma mulher linda, inteligente, carinhosa e amada :) Beijos e obrigada!
ResponderExcluirRe, que lindinho esse post. Fiquei viajando e me lembrando de minhas rodas de violão, que tive muitas. Mas com a imagem das falésias de Neruda lá atrás. Esse post é um filme.
ResponderExcluirBj
Rita
porra, prima homônima assim é pra poucos! orgulho, sinestesias e afinidades eletivas!
ResponderExcluir...pois é, Lui, foi um ano "começo do resto de minha vida", e sua mãe tava tão presente nele. Quando ela nem sonhava em ser sua mãe...ou será que sonhava? :)
ResponderExcluirRita, minha memória é toda assim: imagens. Os filmes tão dentro da minha cabeça...
E, Rerê, muito honrada com sua visita! E agora que descobri onde você se esconde, visitarei por lá... Beijo enorme prás três!