Meu pai era um homem que amava livros. Amava sem respeitar: os livros que ele lia ficavam marcados, dobrados, amassados. Porque ele lia em todo canto: na rede quando dava, na cadeira de couro que minha mãe deu a ele, com o boi pra complementar e apoiar os pés, no sofá da sala, mas também no banheiro, na praia cheia de areia, em qualquer mesa de bar, muito em aviões (até hoje encontro marcadores com M.Lins e o n° do assento, em determinados livros).
Lia e se apaixonava. Quando se apaixonava, a gente sabia: ele se entusiasmava, lia passagens, comprava um monte e saía dando de presente. "A Solidão do Cavaleiro no Horizonte" tem um lugar de destaque nesse panteão. Porque nesse caso, acho que era o livro que ele gostaria de ter escrito. Um livro de autor nordestino, de nome Marcos como ele. Um livro lançado em 79, também conhecido como "o ano 1 da volta": ano prenhe de possibilidades, mas também de receios, de decepções. Ano de balanço.
"A solidão"... é um livro de balanço. Pelo que me lembro. Porque não lembro muito: li, claro, como não havia de. E gostei. Mas, curiosamente, em vez de personagens e situações, lembro é do clima. Do tom. Um tom meio amargo. Um tom de "o que foi feito, amigo, de tudo o que a gente sonhou". Um tom que, certamente, combinava com o que meu pai sentia naquele momento: combinava muito. Com o que ele sentia e, na sua reserva natural, dizia pouco. Dizia aos poucos. Dizia com livros, como este.
E, porque os deuses tecem suas tramas e com elas se divertem, muito tempo depois, ficamos amigas, muito amigas mesmo, de uma moça cuja mãe era casada com Marcos Santarrita: o autor do livro que meu pai queria ter escrito. Minha irmã soube primeiro, e imediatamente reconheceu o nome tão popular na nossa casa. Lembro da gente conversando sobre isso na Lagoa, meu pai comovido com esse "encontro", falando do livro. Nunca conheci Marcos Santarrita: ocasionalmente encontrava seu nome em ótimas traduções, eu que sempre vou ver quem traduziu quando a tradução é boa. Tão raro e tão precioso. As dele sempre eram.
Ontem, o mundo dos livros ficou mais pobre. Foi-se Marcos Santarrita, um amante dos livros, um artesão das letras, um contador de histórias. Todo meu carinho a quem o amava.
Nossa,
ResponderExcluirQue post lindo.
Me emocionei, mesmo sem ter lido o livro.
Eita, moça, que post lindo. Fui ali chorar um tiquinho. O nome não me é estranho, depois vou vasculhar a estante pra ver se descubro alguma coisa...
ResponderExcluirRenata: eu descobri "A Solidão do Cavaleiro no Horizonte" ao acaso, num sebo. Até então, nunca ouvira falar no livro, nem no autor. E achei a obra excelente, a ponto de, só por ele, considerar Santarrita um grande escritor. Claro que fiquei com vonta de de ler os outros livros dele, mas, para constatar isso, nem preciso: se ele escreveu esse, é porque tinha um talento muito acima da média. E para a minha surpresa, não há quase nada na internet a respeito do autor (só lembrado como tradutor, praticamente) e menos ainda da obra. Assim, te parabenizo por esse belo e afetivo texto, uma das pouquíssimas coisas que achei a respeito do livro que tanto me agradou.
ResponderExcluirOi Henrique! Só agora vi sua mensagem! Que bom que passou por aqui. Preciso reler o livro... :) Um abraço!
ExcluirBelo e mais do que merecido texto sobre o querido Marcos Santarrita.
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ResponderExcluirA Saudade do meu grande AMIGO Marcos Santarrita bate mais forte ao ler este lindo texto.
Parabéns Renata pela singela homenagem!
Anita
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