domingo, 2 de outubro de 2011

30 livros em um mês - dia 7

"Um livro que você odiou mas teve que ler pra escola?" Acho que não tem. Se eu tive que ler, mesmo forçada, acabei achando algo interessante, algo curioso, algo pelo qual valeu a pena ter lido o livro. Aí substituo por "um livro que eu teria que ler pra escola, mas não li". E esse existe: fiz prova sobre um livro que não li. Tipo um teste: será que dá? Eu era uma aluna que testava limites. O que, acho, é positivo. Não era acomodada nem conformada. E achava as provas sobre livros - nessa época aí - extremamente chatas. 


Deve ter sido na 8a série. No meu primeiro ano de volta ao Brasil (7a série), tive três professores fundamentais: os de geometria e desenho, Marcelo Sá Correa e Claudio Veloso; e o de português, Armando. Armando teve que me aturar, porque eu fazia prova e paraprova: nas beiradas ia um monte de recadinhos, de comentários, de "será que é isso". Ele mandou bem e com ele li dois livros de que gostei, "Cândido Urbano Urubu" do Carlos Eduardo Novaes - esse li bem antes de ter ouvido falar em Fernão Capelo Gaivota, só depois é que fui achar graça - e "A ilha das borboletas azuis", de Carlos de Marigny. Ah, esse... me fez sonhar. Era uma história de triângulo amoroso adola, Janjão que era apaixonado por uma menina cujo nome não lembro, mas que tocava piano, era loirinha e etérea, e Mônica, apaixonada por Janjão, que nem olhava pra ela. Pelo menos no começo.

Eu era Mônica, claro. Toda errada, tudo menos etérea, apaixonada à primeira vista por um menino da minha turma, de olhos de gato e sotaque quase nordestino, que queria ser jornalista (e eu achei tão estranho isso). Esse eu li e adorei: reli um monte, e lembro do pátio da escola, de Mônica que jogava vôlei, de Janjão que se chamava Jânio João e tinha vergonha do nome... nessa época inventei um alfabeto inteiro, pra escrever coisas que minha mãe não poderia ler mesmo se pegasse. Usei durante um tempo: um alfabeto meu, do qual ninguém tinha a senha. Só meu. Eu escrevia e eu mesma lia. 


Só que o assunto aqui é outro: é o  que não li. E fiz prova. Foi "A hora dos ruminantes". José J. Veiga. Não gostei da idéia (já aí aparecia a aversão ao realismo fantástico que me fez ficar com indigestão de "Cem Anos de Solidão"....será?). Não gostei da proposta. E só muito tempo depois li o Ionesco dos rinocerontes. Aí fui deixando pra lá, procrastinando... e no dia da prova, logo antes de entrar, pedi pra alguém me contar a história: assim, resumida. Rapidinho. Como começa? O que acontece? Como acaba? E fui pra sala. Fui bem, acho. Provavelmente algo entre sete e oito. O que certamente deve ter me causado certa decepção: se a prova fosse boa, o professor teria visto. Teria notado. Mas cedo identifiquei que saber escrever, saber escrever direito, era meio caminho andado. Provavelmente mais que meio.

Acho isso ainda: se a gente abolisse esse montão de matérias específicas e focasse os meninos, durante os anos de ensino fundamental, nas instrumentais - português e matemática -, nosso mundo seria outro. Claro: se  a pessoa sabe português, não esse mané que ensinam por aí, de decoreba de coisas que não tem nada a ver com nada, mas português de escrever, de contar história, de contar a mesma história com outro narrador, de resumir pra um terço das palavras, ampliar para o dobro, parafrasear, comentar.... ah, se sabe português assim, mata qualquer charada, resolve qualquer parada. Ou quase. 


E matemática? Linguagem também, né? Com reforço, mais uma vez, não na matemática de decoreba de fórmulas: mas na lindeza da matemática, nos sentidos do infinito (lembro até hoje da minha professora da 2a série explicando que num segmento de reta tinha infinitos pontos, e da viagem que a turma fez sobre isso),  do zero e de como ele mudou a cara das coisas, dos conjuntos e do pertencimento ou não, das interseções, do que está fora... tanta coisa que ajuda a entender, a decodificar, a explicar todo o resto. Tanta coisa que ajuda a investigar por conta própria, que dá autonomia, que possibilita as viagens de exploração de cada um.


Enfim. Voltando. Esse foi o livro que eu não li. E achei chato.

5 comentários:

  1. Diz aí, tu anda lendo meus emails? Minhas conversas na caixinha do FB com amigos pragmáticos? anda, né?

    Eu sempre curti matemática e português e vivenciei essas disciplinas não como antagônicas, como o discurso hoje parece querer fazer crer, mas como imbuídas da mesma magia: me fazer compreender...

    PS. Nem falei do livro, porque não li, e, de hoje em diante, não gostei, rs

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  2. Super me identifiquei, xará!
    Almas-trigêmeas, eu vc e Lu-Graúna, viu...
    Bjs

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  3. Minha irmã teve que ler para escola esse livro de José J. Veiga. Aproveitei e o li; na época, gostei. Hoje, não tenho ideia do que acharia, principalmente porque já li os "Cem anos..."
    Fato é que o estilo que deu origem a Sobras de reis barbudos não está mais na moda, e não sei como ele resistiu a esses percalços do tempo.
    Abraços, Pádua

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  4. De baixo pra cima: Pádua, esse é um que talvez se eu lesse agora eu gostasse. Se bem que agora já li o Ionesco, né. E vi ótima apresentação dele na Maison de France - sobre Os Rinocerontes, ele contava de um diretor que viu ali uma crítica à sociedade de consumo, e fez uma montagem cheia de máquinas de lavar no palco...
    Lu e Renata: adorei que vocês gostaram...! Eu acho isso há muito tempo, sobre as matérias instrumentais, e a origem é minha própria formação escolar forasteira: eu tinha aula de francês - nos moldes descritos aqui - e de matemática todos os dias. E vi como isso fez diferença na minha vida. Quando entrei na faculdade, notava que as pessoas não sabiam estudar porque não sabiam ler = extrair o que era importante de um texto. Se esfalfavam tentando "engolir" as palavras todas...

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  5. sonhei com a Iha das Borboletas Azuis, eu decididamente era mais parecida com a Lourdinha, saia arrumada, cabelo no lugar e sempre lendo no recreio, a solidão em pessoa. A diferença é que era apixonadapelo Janjão.

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