sábado, 22 de outubro de 2011

30 livros em um mês - dia 15

"O livro favorito dos feriados e das folgas". Feriados e folgas? Bom, aí tem que ser um policial, claro. Eu tenho tara por livros policiais. E é tara mesmo, um vício: às vezes eu tô sem grana, sem tempo, sem possibilidade nenhuma de comprar livro e aí... vejo o novo Ian Rankin, o novo P. D. James, um antigo do Rex Stout que eu não tinha lido... dá água na boca, aperta o estômago e eu entro num automático: quando vejo, lá estamos, eu e o livro, na fila do caixa. Inexoravelmente.

Meu pai sofria de algo parecido - e, não por acaso, foi ele que me falou pela primeira vez de Miss Marple ("a natureza humana não muda") e de Poirot, era ele que comprava e largava os Maigrets pela casa. Meu avô, pai dele, foi quem me apresentou a Charlie Chan, outro velho amigo: vai ver é genético. Alguns descobri sozinha, ou por meio de outros amigos, de outros livros: Nero Wolfe, Lord Peter Wimsey, Dalgliesh, o inspetor Rebus. E esses são meus "comfort-books" por excelência, onde eu me enrosco e busco aconchego em dias de tempestade. Se for inglês e cheio de subtons, se for escrito por mulher, melhor. Mais em casa estarei. Como num chá da tarde, num dia branco e frio, perto de uma lareira, com quem sabe um gato e muitas almofadas.

Então, pra hoje, escolho um desses: um que em inglês se chama "4:50 from Paddington" - um horário de trem - ou, mais impactante e menos interessantemente, "What Miss McGillicuddy saw". Em português o coitado do livro tem que carregar pela sua sofrida vida de livro o horroroso título de "Testemunha ocular do crime", que tão pouco combina com sua natureza de tintas pastel e ruídos abafados. Enfim. Agruras de livros. Compadeço-me.
Esse é um que reúne os ingredientes: inglês (um Agatha Christie, pois não), passado no campo, em uma daquelas casas enormes tão apropriadas para serem cenário de múltiplas intrigas e mistérios. 

É um Miss Marple. Mas a personagem principal, que me encanta e é o motivo da escolha aqui, é Lucy Eyelesbarrow: uma moça que, tendo obtido um diploma de matemática por Oxford, decide, por não apreciar a vida acadêmica e por ver o que ela fez com seus pares potenciais - e esse trecho do livro, a apresentação da personagem, é delicioso, com um bemol irônico e leve tão característico dos melhores momentos de A.Christie -, investir num ramo que julga bem mais divertido e lucrativo, dada a escassez de oferta: o dos serviços domésticos "de emergência". 
Agatha Christie viveu um tempo de transição na Inglaterra: tempo em que a aristocracia estava ainda se acostumando, mal e mal, a não ser mais servida por uma multidão de empregados, como anteriormente. Assim, muitos de seus personagens são esses aristocratas decadentes, saudosos de tempos de fausto que não voltarão mais.

E, voltando a Lucy Eyelesbarrow, é isso: para surpresa e desgosto dos seus professores e colegas, ela abandona a universidade e vai ser um misto de cozinheira/faxineira/governanta, por preço alto e tempo sempre limitado.
Uma personagem muito interessante.


Vejo na wikipedia que a publicação do livro é de 1957: dez anos depois da guerra, o mundo em reconstrução, e Agatha Christie escrevia sobre aristocratas decadentes, burgueses ascendentes e deselegantes, refugiados belgas que viram detetives, universitárias-faxineiras. E eu com ela me encanto, sabendo de todos os preconceitos, de todos os não-li-e-não-gostei. Mas fazer o quê. Aprendi que o melhor é a gente se acolher. Acolher primeiro: depois, talvez, tentar entender. Do meu fascínio por policiais eu já tentei várias vezes identificar a causa, e mapeei alguns pontos: a trama fechada que reconforta - no fim, tudo se explica e se resolve; fundamental em tempos em que o mundo parece não fazer nenhum sentido -, a recorrência de personagens de um livro para o outro (no caso de Agatha Christie, além dos detetives e de seus parceiros, alguns  secundários reaparecem, ocasionalmente, e piscam pros leitores assíduos). Não sei se explica: só sei que é. É assim... fazer o quê. Acolho e, em dias em que o coração aperta, neles me aconchego. E espero passar a tempestade.

10 comentários:

  1. Eu nem preciso dizer, né? policiais são a minha praia. fico penalizada com quem acha que é subliteratura porque perde tanto. AC é uma constante pra mim. E mesmo com a péssima tradução do nome, A testemunha Ocular do crime é uma delícia.

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  2. Outro dia pirateei a coleção completa da Agatha Christie para meu tablete e estou lendo em ordem cronológica de lançamento. Leio e releio os livros dela um pouco como história privada dos ingleses. Aquele negócio dos livros iniciais terem sempre coronéis que voltam das colônias e velhinhas vitorianas e os livros finais já têm hippies, conjuntos habitacionais pós-guerra e tudo.

    Mas abri uma exceção e li 4:50 from paddington primeiro. Mas eu prefiro um corpo na biblioteca.

    Sou o maior fã da Miss Marple.

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  3. Olha, só pra pitacar:adoro Um Corpo na Biblioteca, especialmente as reações e como AC é tão perspicaz, a forma como as pessoas passam a agir com os Bantry ...

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  4. saudades do tempo que devorava os livros da Agatha…

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  5. Esse aí é realmente dos meus favoritos. E meus favoritos não são os mais famosos, mas aqueles que têm personagens por quem me apaixono... outro que amo é "The Hollow" - acho que em português se chama A Mansão Hollow. Dia desses escrevo sobre...

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  6. Eu li esse livro na antiga Colecção Vampiro (Portugal), com o título "O Estranho Caso da Velha Curiosa" (sic). :-)

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